O dia 13 de março de 2013 ficará marcado na minha memória, por duas incríveis coincidências: nesse dia terminei a escrita de um novo livro (“O Segredo de Compostela”) e, nas varandas do Vaticano, era anunciada a eleição de um novo Papa (Francisco).
A coincidência poderia não ter qualquer importância, não fosse o facto de o protagonista do livro (Prisciliano) ser uma espécie de Francisco de outros tempos. Que igualmente ousou confrontar os excessos, a corrupção, a desconsideração do papel dos leigos, o androcentrismo e uma certa misoginia na Igreja do Séc. IV. Quando Francisco foi eleito, muitos acharam que seria uma mera transição dentro do conservadorismo de uma instituição bimilenar, muito envelhecida, e que, em muitos aspetos, não cultivava o espírito do verdadeiro Cristianismo. Os gestores do dinheiro do Vaticano eram vistos como vendilhões do Templo, a pedofilia era abafada pelas cúpulas, os seminários esvaziavam-se. O diabo infiltrara-se na casa de Deus, e a resignação do anterior Papa, justificada com a idade, era antes lida como falta de forças para o escorraçar sem tibiezas. Por isso, muitos subestimaram aquele homem que não era um intelectual e que falava simples. Mas nem a sua mão lhe tremia nem as suas palavras tinham ambiguidades. E com elas abanava os muros do Vaticano e os da Igreja no mundo inteiro. Era o primeiro latino-americano, o primeiro jesuíta, o primeiro a escolher o nome de Francisco, o pobre, depois de 265 Papas e 2000 anos de História da Igreja, e veio para promover uma revolução, tranquila, mas segura. Dez anos depois, os resultados estão derrubou as diferenças de género, incluiu os marginalizados, deu voz aos laicos, a corrupção no Vaticano deixou de ser notícia, os pedófilos protegidos por à vista. Quebrou tabus, cúmplices silêncios foram denunciados, visitou lugares impensáveis para um Papa (o primeiro foi Lampedusa), promoveu a diversidade e trouxe as periferias do Cristianismo para o seu centro (a maior parte dos cardeais já não são europeus). Escreveu sobre a ecologia global para a proteção da natureza, onde incluiu a necessidade de justiça social e de proteção aos mais frágeis da sociedade. Numa palavra: cumpriu o Evangelho! Não admira por isso que a sua palavra, o seu exemplo e mensagem tenham tocado tantos corações. E que hoje seja mais amado pelos laicos do que por alguns setores da Igreja, que aguardam impacientes a sua saída. Mesmo em Portugal, como se viu com a recente novela da pedofilia, cujo combate se lhe deve exclusivamente. Talvez faltem cumprir alguns desígnios cujo debate a Igreja não poderá evitar: o acesso das mulheres aos ministérios sacramentais, a maior consideração dos leigos nas paróquias e a possibilidade de os padres constituírem família. Tudo questões que a igreja alemã (em cujo território atual foi decapitado Prisciliano) está hoje a colocar. Por uma razão muito simples: estas regras da Igreja não constituem qualquer dogma do Cristianismo, não resultam da mensagem de Cristo. Basta ver, por exemplo, o papel que Ele conferiu às mulheres (Maria, Madalena, Marta, etc.), e que, durante vários séculos, os primeiros líderes da Igreja foram casados e os leigos tiveram um papel decisivo na disseminação do Evangelho. Ora, muitas das ideias de Francisco foram defendidas pelo bispo Prisciliano. Por fazê-lo sem tibiezas há 1600 anos, foi perseguido e executado. Ninguém sabe como seria hoje o mundo se as suas ideias tivessem vingado. Acredito que fosse bem melhor. Porém, uma coisa parece agora clara: depois de Francisco, nada ficará como dantes. Pelo menos para a comunidade dos crentes. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (08/04/2023) Ultimamente, têm vindo a público várias notícias relacionadas com problemas com imigrantes. Foi o caso do incêndio na Mouraria, em plena Lisboa. Facto já havia sido trazido às agendas mediáticas, tempos antes, em Odemira. E foi, também há dias, em Olhão, onde um grupo de jovens bem enquadrados socialmente agrediu também um nepalês (está-se a apurar se por roubo ou xenofobia).
Na sua rápida e pertinente reação, o Presidente da República visitou o jovem agredido para lhe explicar, e a todos os imigrantes, que Portugal não tolera este tipo de problemas. E dar uma aula de integração numa escola de Olhão. E com razão. Os portugueses de hoje deverão recordar-se que Portugal foi (e ainda é) um país de forte fluxo emigratório. Não falando das emigrações decorrentes das conquistas africanas, americanas e asiáticas, milhões de portugueses emigraram desde a segunda metade do século XIX, e depois da Segunda Guerra Mundial, essencialmente para o centro da Europa, para a América do Norte, América do Sul e Austrália. Na maior parte dos casos, saíram porque o nosso país não conseguia garantir pão e emprego condigno a tanta gente, sobretudo no interior pobre e esquecido. De resto, naquela segunda vaga migratória, Portugal foi um relevante fornecedor de mão-de-obra das economias em crescimento do oeste e norte da Europa. Hoje, apesar de ainda muitos portugueses emigrarem, Portugal é também um país de destino de muita gente, em busca de melhores condições de vida. Em 2020, segundo dados do SEF, a população estrangeira no país era de 590.348 mil residentes. Por outro lado, dos quase 80 mil bebés nascidos em 2021 em Portugal, mais de 10 mil, o equivalente a 14 %, são filhos de mães estrangeiras (dados da Pordata). E, segundo os mesmos dados, em 2021, entraram em Portugal cerca de 51 mil imigrantes e saíram cerca de 25 mil emigrantes, o que reflete um saldo positivo de 26 mil pessoas. Ora, um país é grande não só nos feitos económicos (poucos, apesar de tudo), desportivos, na atração de turistas ricos ou de grandes eventos, mas sobretudo pela grandeza moral do seu povo. Pela preservação da sua memória coletiva. Por saber acolher os que hoje precisam, tal como souberam outros acolher-nos ao longo dos tempos, quando também outros portugueses precisaram. Por isso, não são toleráveis atos xenófobos (de alegada supremacia cultural) ou racistas (de descriminação pela raça ou cor da pele). E as reações de repúdio e indignação devem ser imediatas, como aconteceu em Olhão. Mas não podem ficar pelo momento, até o assunto sair do telejornal. Impõem-se políticas concretas que evitem os ghettos de emigrantes quando acontece uma desgraça, que combatam os grupos criminosos organizados que os trazem, ameaçam e exploram, e quem ofenda os seus direitos mais básicos. E, claro, uma forte educação para a cidadania de integração, que não pode bastar-se por uma apenas uma aula do PR em Olhão. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (11/02/2023) Desde 1974 que vivemos numa democracia e desde 1986 que integramos a União Europeia, mais próximos das democracias de modelo ocidental, surgido no final da Segunda Guerra Mundial. Um conceito baseado nos direitos humanos, livre escolha dos eleitos pelos cidadãos, respeito pelas minorias, estado de direito e livre comércio. Um democracia liberal, portanto.
Porém, no final do século passado, Fareed Zakaria chamou a atenção para a emergência das democracias iliberais, ou seja, de “regimes eleitos democraticamente, muitas vezes reeleitos ou reforçados por referendos que ignoram os limites constitucionais de seu poder e privam seus cidadãos de direitos e liberdades básicos”. Ou seja, embora não sendo ditaduras, sustentam-se nas eleições e, considerando o modelo ocidental obsoleto, invocam outros conceitos legitimadores: a ordem, o controle da imprensa, a família, a religião, o culto à pátria, a ‘mitificação’ do passado e até mesmo, em alguns caos, o estabelecimento da pena de morte. Nos últimos tempos, as democracias iliberais ganharam terreno. Para além dos conhecidos velhos casos da Rússia e da Turquia, surgiram, já no seio da União Europeia, os da Hungria, da Polónia (agora menos, com a ameaça Russa) e da Áustria (em determinados momentos). Mas, os que mais recentemente chamaram a atenção do mundo foram os Estados Unidos de Trump e o Brasil de Bolsonaro. Ali, assistimos, nas urnas, nas ruas e nos centros simbólicos do poder, às massas a lutarem pela implantação desse tipo de regimes, acreditando mesmo nas teses mais inverosímeis sobre a manipulação de resultados. Este é o perigo do mundo novo. O das democracias iliberais, que procuram impor modelos autoritários e populistas, baseados na liderança de um suposto homem forte e providencial. O seu nascimento tem, certamente, razões diferentes. Partem, por exemplo, da intolerância com a diversidade étnica ou multiculturalista trazida pelos povos migrantes, de problemas corrupção, de desemprego ou de insegurança, ou de motivações religiosas. Algo que, nem sempre as chamadas democracia liberais conseguem resolver. Mas mais vale uma democracia que, embora imperfeita, preza as liberdades individuais, o humanismo e o respeito pela diferença, do que uma suposta democracia que restringe os direitos civis, ignora os limites constitucionais e que não respeita heterogeneidade étnica, religiosa e cultural de suas sociedades. Que nunca caiamos em tentação! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (16/01/2023) No dia em que escrevo (16 de novembro de 2022), passam cem anos do nascimento de José Saramago. Para além ter sido um raro português a quem foi atribuído um Prémio Nobel, talvez tenha sido o escritor que maior marca literária nos deixou nos últimos cem anos. A seguir a Fernando Pessoa, que já faleceu nos idos de 1935.
Penafiel tem uma profunda gratidão por José Saramago. E eu, em particular. Em 2009, a Escritaria dava os primeiros passos. A primeira edição, com a doença de Urbano Tavares Rodrigues, ainda não conseguira atingir a dimensão que se pretendia. Generosamente, José Saramago aceitou estar entre nós, na segunda edição. Foi um momento raro, extraordinário, comovente e impactante. De repente, a Escritaria estava no mundo inteiro, a propósito do lançamento do que viria a ser último livro da vida do autor. Em pleno Museu Municipal de Penafiel. A abarrotar de gente todos os dias, que acudiam de lugares inimagináveis. Com todos os órgãos de comunicação a emitir peças fantásticas, a partir de Penafiel. Com Saramago, vieram também convidados de grande craveira: o reconhecido cineasta brasileiro Fernando Meireles, Pilar del Río, Fernando Gómez, comissário da exposição “José Saramago: A Consistência dos Sonhos”, os escritores Laura Restrepo e Miguel Real, José Joaquín Parra, autor da obra “Pensamiento Arquitectonico en la Obra de Jose Saramago: Acerca de la Arquitectura de la Casa”, entre outros. Por isso, a partir de 2009, ficamos mais ricos. A cidade e o concelho ganharam outra dimensão, dentro e fora. A Escritaria estava definitivamente gravada como uma marca de Penafiel. A presença e as palavras de José Saramago foram fundamentais. Por isso, estamos gratos. A gratidão talvez seja dos maiores valores que podemos experimentar. Algo que, tantas vezes, nas inebriantes e fugazes glórias de certos momentos, tendemos a esquecer. Mas que o futuro sempre nos lembra, por vezes, com amargura. Por isso, importa, hoje, manifestar esse nobre sentimento com alguém que nos foi importante, e cuja passagem deixou uma marca indelével e inesquecível. Como inesquecíveis são os pensamentos e frases acutilantes que povoam o nosso imaginário, como a que ficou gravada nas paredes da cidade, ou então esta que muitas vezes recordo: O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas. Obrigado José Saramago! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (19/11/2022) No passado dia 10 de outubro, assinalou-se o Dia Mundial da Saúde Mental.
Para muitos, a saúde mental é um subgénero da saúde em geral, uma vez que se tende a valorizar mais a queixa física em detrimento de algo que se tende a atribuir a um estado de espírito ou a uma característica da personalidade. Para além dos casos mais graves, normalmente já encaminhados e acompanhados, existe na atualidade um conjunto de acontecimentos suscetíveis de afetar a saúde mental de todos nós, nomeadamente das crianças e jovens, e que tantas vezes nos passam ao lado. A História confirma que a falta de investimento em saúde mental gera profundo e invisível sofrimento nas crianças e jovens, e põe a nu as graves lacunas na prevenção e cuidados para esta faixa etária, tal como para os cuidadores com perturbações mentais. Segundo a UNICEF, as perturbações de saúde mental diagnosticáveis afetam cerca de 1 em cada 7 (14 %) das crianças e jovens entre os 6-18 anos de idade no mundo. Metade destas perturbações começam aos 14 anos de idade, mas a maioria, embora tratáveis, passam despercebidas e não são analisadas. Ora, os últimos dois anos e meio trouxeram-nos dois graves problemas suscetíveis de provocar ou agravar os danos neste tipo de doenças: os confinamentos da pandemia provocada pela Covid-19 e a Guerra na Ucrânia. Com a Covid-19, as crianças e os jovens viram as suas rotinas alteradas, o acesso a atividades recreativas e escolares restringido, afetando igualmente os rendimentos e a saúde das suas famílias. Com a Guerra na Ucrânia, para além das afetações dos rendimentos familiares, as crianças e jovens passaram a assistir em direto, através da televisão e redes sociais, ao terror e à morte, tal como à disseminação do medo da extrapolação da guerra para o resto do mundo, e da ameaça ou aniquilação nuclear. Os efeitos perversos destas situações nos mais novos são evidentes e podem afetar negativamente a saúde mental de toda a uma geração. Importa, por isso, que cada um de nós, famílias e a escola, Estado e Governo, IPSS e SNS, médicos especialistas e de saúde familiar, priorizem ações e políticas de prevenção e atuação urgentes, com vista a minorar os impactos destas ameaças à saúde mental dos mais novos. Enquanto é tempo! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (22/10/2022) Terminou, finalmente, o longo período das exéquias de Isabel II, a monarca de Inglaterra, Reino Unido e da Commonwelth.
Tornou-se pacífico que a rainha do segundo mais longo reinado da História foi uma mulher que esteve à altura do cargo que lhe coube por nascimento. Serviu no exército em 1945, assistiu à reconstrução da Inglaterra e da Europa, à Guerra Fria e às mudanças sociais dos anos 60, e viu o seu império esvair-se, chegando ao final da vida como chefe de uma nação com sinais de crise e declínio. Os seus sucessos talvez se expliquem tanto por circunstâncias pessoais como fortuitas, como longo e feliz casamento, a longevidade e influência da rainha-mãe, e a sua especial e curiosa forma de lidar com circunstâncias adversas, como o caso das crises familiares (da princesa Diana, do príncipe André e da irmã Margarida), ou uma desconhecida e opaca opinião sobre o Brexit. As manifestações durante as suas exéquias demonstram que os ingleses apreciavam a sua rainha e também o seu regime monárquico, imutável, atávico e garante de alguma influência no mundo, nomeadamente do ligado à Commonwelth. Porém, tenho para mim que tudo isso, e muito mais que não cabe nas balizas deste pequeno artigo, não justifica a importância que os meios de comunicação deram a todos os pormenores destes doze dias de exéquias fúnebres. Mobilizaram-se dezenas de jornalistas para Inglaterra, nomeadamente os mais reputados pivôs das televisões, e dissecou-se ao pormenor cada momento, por mais irrelevante que fosse, do que por ali estava a acontecer. É certo que o momento é raro, mas trata-se da rainha de Inglaterra, e não do chefe de Estado português, ou de alguém que mudou o mundo. Tal como não se conhecessem que especiais atos tenha praticado para o fortalecimento da mais antiga aliança diplomática do mundo, onde quase sempre ficamos mais a perder do que a ganhar. Alguém que ocupou um cargo por nascimento, e não pelos méritos e créditos que adquiriu ao longo da vida, ou por livre escolha do povo. Por isso, o excesso de acompanhamento do evento, das questões certamente relevantes às mais ridículas, mais fazia parecer que se tratava da rainha do mundo, e que todos deveríamos sentir a perda, como nossa. Como se fosse uma grande perda da nossa Civilização. Para muitos, passou certamente ao lado uma efetiva grande perda da Civilização, falecido poucos dias antes da rainha. Alguém que, em poucos anos de governação, mudou radicalmente o mundo, no modo em que o conhecíamos: Mikhail Gorbatchov. Talvez o legado que este homem deixou à Humanidade tivesse merecido pelo menos uma centésima parte da atenção dada pelos media às notícias de Balmoral e de Londres. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (28/09/2022) No início do mês passado, o Ministro das Infraestruturas e da Habitação esteve em Penafiel, anunciando o arranque das obras de um troço de 1,5 km do IC35, entre Penafiel e Rans.
Como se sabe, trata-se de uma obra estruturante para a região, há décadas reclamada, e muito prometida desde a queda da ponte de Entre-os-Rios, em 2001. Fundamental para evitar acidentes na EN 106, para encurtar tempo entre as duas margens da zona ribeirinha do Douro até Penafiel, ao seu hospital e à A4, para ajudar a desencravar a economia do sul dos concelhos de Penafiel e Marco de Canaveses, e dos concelhos de Castelo de Paiva e Cinfães. No fundo, para permitir que a coesão territorial e o direito de igualdade de todos os portugueses quanto a acessibilidades exista para os cidadãos deste território. Como há muito aconteceu em tantas zonas do país, onde nunca faltaram autoestradas e circulares, por vezes duplicadas. Ora, nesse momento, disse o governante que “Aquilo que nós estamos a fazer é respeitar o povo, é respeitar quem trabalha, é respeitar quem merece”. Esta afirmação, ao contrário do parece, revela, não um respeito, mas um desrespeito pelo povo da região. E porquê? Porque o concurso da obra foi lançado em 2015, podendo a sua adjudicação ter ocorrido logo em 2016, no início de funções do XXI Governo Constitucional, de que o governante já fazia parte. Porém, esta primeira e pequena fase só foi adjudicada em janeiro de 2020 e o início da sua execução só foi permitido na segunda metade de 2022. E, da segunda fase, a mais importante – o troço Rans / Entre-os-Rios -, pouco se sabe, apenas que, ao final de todo este tempo, ainda não foi sequer contratada a elaboração do seu projeto. Convenhamos que é muito pouco para tanto tempo! Por isso, mais do que vir dizer-se que se veio respeitar o povo, devia ter-se vindo pedir desculpa por todos estes atrasos e, ao mesmo tempo, dar-se as devidas e necessárias explicações das razões de tal atraso. Podem ser razões atendíveis ou puro laxismo político. Pode o responsável ser este ou aquele. Mas, o mínimo que se esperava dessa presença no Salão Nobre de Penafiel, era uma explicação coerente para tanto atraso. É isso que se espera dos governantes: não só que governem bem, mas que expliquem ao povo as razões dos fracassos da governação. E que peçam desculpa, quando a situação a reclama. Isso é o respeito. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (27/08/2022) Há dias, o país foi confrontado com uma situação inimaginável: alguns tribunais portugueses não podiam cumprir a obrigação de fazer justiça por falta de papel. E que alguns diligentes funcionários, a fim de evitar atrasos nas diligências, traziam esse material de casa, pago dos seus bolsos.
Parece uma situação caricatural, mas ela espelha bem a caricatura a chegou o nosso Estado. A somar-se à falta de papel, o que impede, por exemplo, o cumprimento um mandato de detenção de um suspeito criminoso, existem processos – nomeadamente nos tribunais administrativos e fiscais – que esperam anos e anos por uma decisão, em casos em que nem sequer é necessário fazer-se julgamento. Apenas analisar-se as pretensões das partes, com os documentos que juntam digitalmente, e proferir-se a decisão final. Parece bizarro, mas é mesmo assim. Pelo que dizem, tudo se deve à falta de meios. Neste caso, humanos. E, como aos tribunais administrativos e fiscais vão parar casos com grande impacto na economia, significa que o Estado, por falta de meios, contribui, por ostensiva omissão, para esta entropia estrutural na vida das empresas e dos cidadãos. Porém, a notícia da falta de papel nos tribunais ocorreu ao mesmo tempo que faltavam médicos nas urgências, e em várias nas especialidades, como obstetrícia e pediatria. Mas também à falta de professores nas escolas, que levaram a que alunos não tivessem uma única aula a determinadas disciplinas, durante todo o ano letivo. E também à falta de inspetores do SEF (Serviços de Estrangeiros e Fronteiras), que criaram o caos nos aeroportos, porta da entrada da mina de ouro da economia portuguesa: o turismo. Foram coincidências a mais, em tão curto espaço de tempo. O que leva a perceber que vivemos um momento crítico de eminente falência do Estado, no que às suas funções vitais diz respeito: justiça, saúde, educação, segurança e promoção do desenvolvimento económico. E não se pode queixar o Governo de falta condições políticas para governar: tem uma maioria absoluta. E não se queixa de falta de meio financeiras: o Governo anuncia permanentemente a chegada de milhões do PRR, dos fundos europeus, para não falar dos incrementos nos impostos, nomeadamente dos indiretos, fruto do generalizado aumento dos preços. O que parece que falta é nitidamente visão, liderança, políticas diretamente viradas para os problemas, menos ideologia e mais pragmatismo, e também uma oposição forte e capaz de denunciar os problemas e apontar soluções. Porque, a continuar assim, parece que o resultado será inevitável: depois de passarmos pelo pântano (há 20 anos) e pela bancarrota (há 10 anos), segue-se a cauda Europa, para onde caminhamos a passos bem largos. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (02/07/2022) A Rota do Românico, que há anos, serve de plataforma de dinamização turística e cultural da região Tâmega e Sousa, tem-se revelado fértil na conquista de prémios internacionais, nacionais e regionais.
Não admira, pois trata-se de um projeto singular que reúne património, memória, História, gastronomia e empreendedorismo, numa região tantas vezes subvalorizada pelos centros de decisão nacionais. Tive a oportunidade de assistir, por dentro, ao nascimento e crescimento da Rota, e de ver o reconhecimento que a mesma alcançou, a partir de 2009, com a avalanche de prémios que granjeou: do Governo Português, do Turismo de Portugal, da CCDR-n, da Editorial Office e do Trade Leaders’ Club (Espanha), etc. etc. Mais tarde, já fora do centro de decisão, continuei a acompanhar os sucessos e reconhecimento do projeto, consubstanciado em novos prémios e na entrada em funcionamento dos seus Centros de Interpretação. Mas se a Rota do Românico tem algo que faz a diferença é a na aproximação que faz às pessoas que vivem e habitam o seu território. Em muitos casos, gente simples que nasceu e cresceu com excecionais monumentos ao lado, mas a quem não havia sido dada a oportunidade de interpretar o simbolismo e a importância que eles revestem, e porque, de repente, tanta gente, das origens mais improváveis, se interessava por eles. O trabalho, feito com os alunos das escolas da região, tem sido fundamental. Mas o envolvimento dos vizinhos que, como cuidadores do património, se integraram na missão da Rota, em regime de voluntariado, é digna de ser referenciada. Recentemente, quer a organização europeia TRANSROMÂNICA, quer a APOM – Associação Portuguesa de Museologia, premiaram o Projeto dos Cuidadores do Património da RR. São cerca de 50, espalhados por toda a região, que, com afeto e paixão, se dedicam a esta nobre missão. Mais do que as pedras encastradas noutros tempos pelos hábeis pedreiros que edificaram belíssimos monumentos, são estes zeladores que, hoje, fazem parte da História que a Rota e a região podem contar. Gente simples, mas que cuida, maravilhada e sentida, de algo que é seu, que é nosso, que é da Humanidade. Pessoas reais que, com a sua ação, ganharam um novo sentido para a vida, compreenderam melhor o sentido e importância do património, e que, com a sua presença, transformam a visita de um turista numa experiência emocionante e singular. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (04/06/2022) Recentemente, a Sedes – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social e o Conselho das Comunidades Portuguesas na Assembleia da República promoveram um debate sobre a reforma da lei eleitoral.
A questão mostra-se pertinente, 48 anos depois da democracia, sobretudo quando, em cada ato eleitoral, o país se questiona sobre os níveis de participação dos portugueses. Segundo as notícias, o debate andou sobretudo à volta da questão da participação dos emigrantes, nomeadamente do voto digital e do aumento do número de deputados pelos círculos da emigração. Entende-se a preocupação, sobretudo depois dos tragicómicos acontecimentos com os seus votos nas últimas eleições, da sua baixíssima taxa de participação e do modo arcaico como os portugueses que vivem no exterior podem votar. Mas a questão não pode ficar por aqui. A aproximação dos eleitos aos eleitores tem, no meu modo de ver, de passar por duas outras importantes alterações à lei eleitoral. Em primeiro lugar, as listas de deputados não podem continuar a ser apenas escolhidas por diretórios partidários, ou de acordo com os estados de alma dos presidentes dos partidos em exercício, em cada ato eleitoral. Com esta forma, a atual, a esmagadora maioria dos eleitores continua sem conhecer, nem antes, nem durante, nem depois da eleição, quem são, e com que mérito, os seus representantes na Assembleia da República. Não podem, assim, ser eles a escolher os seus candidatos, muito menos pedir-lhe contas pelo seu exercício. Importa, por isso, criar um sistema misto, mitigado, entre a eleição por listas e os círculos uninominais. Creio, pois, que a previsão de círculos uninominais pequenos, em que uma parte dos deputados é eleita diretamente pelo povo, contribuirá para uma maior envolvimento e participação dos eleitores e um maior escrutínio sobre os eleitos. A democracia ganharia. Em segundo lugar, importa acabar com os círculos distritais, definindo-se novos círculos (para as listas) de acordo com a nova organização administrativa do país. Ou seja, de acordo com as áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais. Basta olhar para o caso da nossa região, a da CIM do Tâmega e Sousa, que inclui municípios dos distritos do Porto, Braga, Viseu e Aveiro. Não é compreensível que os Presidentes das Câmaras destes municípios trabalhem diariamente nas dinâmicas de desenvolvimento concertadas da região e que os deputados não sejam eleitos para defender os interesses concretos desta região. Não se percebe que lógica ainda exista para a manutenção dos círculos distritais, quando os distritos já não servem para mais nada, que não seja para se elegerem deputados que, como se vê, não representam as novas organizações administrativas do país. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (07/05/2022) |
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