Há dias, o país foi confrontado com uma situação inimaginável: alguns tribunais portugueses não podiam cumprir a obrigação de fazer justiça por falta de papel. E que alguns diligentes funcionários, a fim de evitar atrasos nas diligências, traziam esse material de casa, pago dos seus bolsos.
Parece uma situação caricatural, mas ela espelha bem a caricatura a chegou o nosso Estado. A somar-se à falta de papel, o que impede, por exemplo, o cumprimento um mandato de detenção de um suspeito criminoso, existem processos – nomeadamente nos tribunais administrativos e fiscais – que esperam anos e anos por uma decisão, em casos em que nem sequer é necessário fazer-se julgamento. Apenas analisar-se as pretensões das partes, com os documentos que juntam digitalmente, e proferir-se a decisão final. Parece bizarro, mas é mesmo assim. Pelo que dizem, tudo se deve à falta de meios. Neste caso, humanos. E, como aos tribunais administrativos e fiscais vão parar casos com grande impacto na economia, significa que o Estado, por falta de meios, contribui, por ostensiva omissão, para esta entropia estrutural na vida das empresas e dos cidadãos. Porém, a notícia da falta de papel nos tribunais ocorreu ao mesmo tempo que faltavam médicos nas urgências, e em várias nas especialidades, como obstetrícia e pediatria. Mas também à falta de professores nas escolas, que levaram a que alunos não tivessem uma única aula a determinadas disciplinas, durante todo o ano letivo. E também à falta de inspetores do SEF (Serviços de Estrangeiros e Fronteiras), que criaram o caos nos aeroportos, porta da entrada da mina de ouro da economia portuguesa: o turismo. Foram coincidências a mais, em tão curto espaço de tempo. O que leva a perceber que vivemos um momento crítico de eminente falência do Estado, no que às suas funções vitais diz respeito: justiça, saúde, educação, segurança e promoção do desenvolvimento económico. E não se pode queixar o Governo de falta condições políticas para governar: tem uma maioria absoluta. E não se queixa de falta de meio financeiras: o Governo anuncia permanentemente a chegada de milhões do PRR, dos fundos europeus, para não falar dos incrementos nos impostos, nomeadamente dos indiretos, fruto do generalizado aumento dos preços. O que parece que falta é nitidamente visão, liderança, políticas diretamente viradas para os problemas, menos ideologia e mais pragmatismo, e também uma oposição forte e capaz de denunciar os problemas e apontar soluções. Porque, a continuar assim, parece que o resultado será inevitável: depois de passarmos pelo pântano (há 20 anos) e pela bancarrota (há 10 anos), segue-se a cauda Europa, para onde caminhamos a passos bem largos. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (02/07/2022) Quando começa um novo ano, todos fazemos votos de que seja melhor do que ao anterior. Normalmente, existem dados já conhecidos que nos permitem guiar esses desejos e expectativas.
Porém, este 2022 começa com o misto de incertezas por todos os lados, que não nos dão uma bússola segura para nos guiar no desconhecido. Ao nível global, duas incógnitas ainda sem norte à vista: a primeira, de curto prazo, é a absoluta imprevisão dos efeitos da pandemia. De um dia para o outro, a certeza de ontem já não é a de hoje, muito menos a de amanhã. Ficamos à deriva com as novas variantes, sem perceber até onde as vacinas nos imunizam (embora ainda protejam na severidade da doença) e quando tudo isto acabará. Por outro lado, assistimos a um imparável crescimento do da temperatura no planeta, tendo a OMM anunciado que os últimos 7 anos foram os 7 anos mais quentes da história. Enquanto isso, os governos mais poderosos assobiam para o lado e continuam focados em como dominar os outros e prepararem-se para guerras (crise da Ucrânia, de Taiwan, etc.) Ao nível nacional, mergulhamos num enorme ponto de interrogação sobre o futuro político do país. Em 47 anos de democracia, foi a segunda vez que um Orçamento de Estado chumbou no Parlamento, mas a primeira em que a rejeição provocou a dissolução da Assembleia da República. E, tirando o facto de vivermos em duodécimos, ninguém está em condições de assegurar o que irá acontecer a partir de 30 de janeiro: um governo maioritário, governo minoritário com apoios à esquerda, à direita ou ao centro, um governo minoritário sem esses apoios, ou uma iminente nova crise política por falta de entendimentos. Na economia, o ambiente é igualmente perplexo: por um lado, faz-se fé no crescimento económico para os níveis pré-pandemia ou superiores, por outro, a um assustador crescimento do preço das matérias-primas, dos combustíveis, do nível e vida em geral e dos produtos de primeira necessidade, cujo crescimento económico e salarial médio não acompanha. Diz quem sabe, que a casos com este segue-se uma nova crise, de feitos imprevisíveis e que, assim sendo, ela aparecerá em 2024. Enquanto cidadãos, resta-nos, porém, fazer o que está ao nosso alcance: nas escolhas políticas que fazemos, no estilo de vida que levamos, nos cuidados sanitários que adotamos, nos investimentos que fazemos e na voz que nunca poderemos cansar de erguer em favor de uma sociedade política, económica, climática e sanitariamente mais forte e mais justa. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (15/01/2022) |
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