O dia 13 de março de 2013 ficará marcado na minha memória, por duas incríveis coincidências: nesse dia terminei a escrita de um novo livro (“O Segredo de Compostela”) e, nas varandas do Vaticano, era anunciada a eleição de um novo Papa (Francisco).
A coincidência poderia não ter qualquer importância, não fosse o facto de o protagonista do livro (Prisciliano) ser uma espécie de Francisco de outros tempos. Que igualmente ousou confrontar os excessos, a corrupção, a desconsideração do papel dos leigos, o androcentrismo e uma certa misoginia na Igreja do Séc. IV. Quando Francisco foi eleito, muitos acharam que seria uma mera transição dentro do conservadorismo de uma instituição bimilenar, muito envelhecida, e que, em muitos aspetos, não cultivava o espírito do verdadeiro Cristianismo. Os gestores do dinheiro do Vaticano eram vistos como vendilhões do Templo, a pedofilia era abafada pelas cúpulas, os seminários esvaziavam-se. O diabo infiltrara-se na casa de Deus, e a resignação do anterior Papa, justificada com a idade, era antes lida como falta de forças para o escorraçar sem tibiezas. Por isso, muitos subestimaram aquele homem que não era um intelectual e que falava simples. Mas nem a sua mão lhe tremia nem as suas palavras tinham ambiguidades. E com elas abanava os muros do Vaticano e os da Igreja no mundo inteiro. Era o primeiro latino-americano, o primeiro jesuíta, o primeiro a escolher o nome de Francisco, o pobre, depois de 265 Papas e 2000 anos de História da Igreja, e veio para promover uma revolução, tranquila, mas segura. Dez anos depois, os resultados estão derrubou as diferenças de género, incluiu os marginalizados, deu voz aos laicos, a corrupção no Vaticano deixou de ser notícia, os pedófilos protegidos por à vista. Quebrou tabus, cúmplices silêncios foram denunciados, visitou lugares impensáveis para um Papa (o primeiro foi Lampedusa), promoveu a diversidade e trouxe as periferias do Cristianismo para o seu centro (a maior parte dos cardeais já não são europeus). Escreveu sobre a ecologia global para a proteção da natureza, onde incluiu a necessidade de justiça social e de proteção aos mais frágeis da sociedade. Numa palavra: cumpriu o Evangelho! Não admira por isso que a sua palavra, o seu exemplo e mensagem tenham tocado tantos corações. E que hoje seja mais amado pelos laicos do que por alguns setores da Igreja, que aguardam impacientes a sua saída. Mesmo em Portugal, como se viu com a recente novela da pedofilia, cujo combate se lhe deve exclusivamente. Talvez faltem cumprir alguns desígnios cujo debate a Igreja não poderá evitar: o acesso das mulheres aos ministérios sacramentais, a maior consideração dos leigos nas paróquias e a possibilidade de os padres constituírem família. Tudo questões que a igreja alemã (em cujo território atual foi decapitado Prisciliano) está hoje a colocar. Por uma razão muito simples: estas regras da Igreja não constituem qualquer dogma do Cristianismo, não resultam da mensagem de Cristo. Basta ver, por exemplo, o papel que Ele conferiu às mulheres (Maria, Madalena, Marta, etc.), e que, durante vários séculos, os primeiros líderes da Igreja foram casados e os leigos tiveram um papel decisivo na disseminação do Evangelho. Ora, muitas das ideias de Francisco foram defendidas pelo bispo Prisciliano. Por fazê-lo sem tibiezas há 1600 anos, foi perseguido e executado. Ninguém sabe como seria hoje o mundo se as suas ideias tivessem vingado. Acredito que fosse bem melhor. Porém, uma coisa parece agora clara: depois de Francisco, nada ficará como dantes. Pelo menos para a comunidade dos crentes. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (08/04/2023) |
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