Poderá haver um ladrão de memórias? Descobri que sim, como procurarei demonstrar.
Marguerite Yourcenar disse um dia: Quando se gosta da vida, gosta-se do passado, porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória humana. É certo que não podemos viver permanentemente na sombra do passado, mas, sendo o passado – através da memória – tudo o que sobra do nosso presente, podemos concluir que, afinal, somos seres abençoados. Abençoados por termos o dom da recordação do tempo que nos proporcionou ter lastro de vida. E quanto maior o lastro, quantas mais recordações e memórias temos gravadas, mais tempo parece que vivemos. Ou seja, o nosso tempo de vida não se mede tanto pelo número de dias, meses ou anos que o registo civil ou a medicina atestam que o nosso corpo viveu, mas mais pelo tempo medido em registo das memórias da nossa existência. Boas ou más, mas memórias que fazem perceber que o curso da vida foi ou mais, ou menos, longo e duradouro. Vem isto a propósito da época em que vivemos. A pandemia e o confinamento não restringem apenas a nossa liberdade física. Roubam-nos também o ouro mais valioso da existência: as nossas memórias, o tempo de vida recordante. Quando olho para o último ano, sou varrido por uma inquietante sensação de desaparecimento de memórias das experiências que rompem o quotidiano. Sobra o ramberrambe de um dia igual ao outro. Ora confinado, ora conveniente distante dos demais, ora mascarado. Pilhado das emoções das viagens, da descoberta, dos amigos, do convívio, do cinema, do espetáculo, da liberdade de estar. De um simples e tão humano abraço. E pior: de ver o sorriso dos outros. Afinal, antes éramos felizes, e não o sabíamos! Por isso, o último ano passou tão rápido que nem dei por ele. Porque não está impresso no meu registo de vida com memórias, de recordações, de passado vívido. Foram praticamente dias que se seguiram uns aos outros, quando, de repente, descubro que já nos encontramos no mesmo mês do ano em que soubemos que um estranho vírus chegava a Portugal. Quando não existem memórias, a liberdade é apenas um vislumbre, uma ilusão. Não falo da liberdade física, limitada por confinamentos restrições e distâncias, em nome da saúde física. Mas da liberdade de usufruirmos da condição de seres plenos, inteiros. Seres que se realizam na felicidade de uma viagem, de um abraço, de um beijo, de um sorriso, do salutar convívio familiar e social que nos faz humanos, e nos faz tão bem. Tudo isto este vírus nos roubou. Esse ladrão de memórias! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (12/02/2021) Vivemos um novo confinamento. Hoje, todos os políticos dizem que era uma inevitabilidade. E, ao que parece, a culpa foi do Natal e do Inverno.
Entretanto, ocorrerá o ato eleitoral para escolher o PR. E agora: aqui d’el rei, como levar as pessoas às urnas, quando o medo e os números da pandemia nos paralisam os movimentos? É estranho que só nas vésperas do ato eleitoral, o assunto do seu adiamento se tenha colocado. Ou seja, sabendo todos – Governo, PR, DGS, especialistas – que esta era uma realidade altamente provável, porque ninguém preparou este cenário: adiar as eleições ou permitir que um maior número de eleitores pudesse votar? Era uma excelente oportunidade para se modernizar o modo arcaico como ainda se vota, quando já se conhecem meios mais capazes. E porque não se aproveitou parapermitir o voto por correspondência, como aconteceu nos EUA? Pelo menos, deste modo, melhor se cumpriria a democracia. E era o adequado para os 1,4 milhões emigrantes que não poderão votar por correspondência, apesar dos insistentes apelos dos seus representantes. Mas ninguém colocou atempadamente a questão? Não é bem assim. Houve alguém que, a 8 de setembro de 2020, colocou o dedo na ferida. Quem? Vitorino Silva. Basta consultar as notícias desse dia na Internet. Todos sabem que somos adversários políticos, mas amigos há muito tempo. Ambas as circunstâncias não me impedem de reconhecer a sua acutilante intuição. Pode não ter os conhecimentos e habilidades para ser PR, mas, no seu modo simples e original, pôs o dedo na ferida no momento certo, e nunca foi levado a sério. Não era preciso ser especialista, mas apenas ter a experiência da vida, para se perceber que, a seguir ao Natal, em pleno Inverno, sem vacinas em massa, o risco de vivermos um pico pandémico em janeiro era muito provável. Havia tempo para se modernizar o modo de votação, através do voto por correspondência, do voto por meios eletrónicos, ou o adiamento das eleições, mesmo que para isso fosse necessário rever a legislação. Será por isso lamentável que o PR seja eleito com elevada abstenção, e que o ato eleitoral seja mais um foco de contaminação. Pior: é lamentável que a pandemia não tenha acordado os políticos para essa evidência. E que não os tenha levado a modernizar o sistema de votação. Afinal, se há tanto consenso para um novo confinamento, porque não o houve para se mudar a lei e atender a estas situações? É que, como sempre aprendi, é nas crises e dificuldades que se geram as grandes oportunidades de evolução. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (16/01/2021) Passaram 19 anos. Muito tempo desde o dia em que acordei sem saber que destino me cabia e adormeci mergulhado numa espiral de emoções.
Tinha pouco mais de 30 anos sulcados nas ruas da minha aldeia de Paço de Sousa, com as primeiras memórias a brincar com a infância descalça e a bola nas ruas estreitas de Cadeade, ainda sem luz, presas no encantamento das sementeiras, no crescimento e colheita dos frutos da terra, nas vindimas e desfolhadas, nos banhos da praia dos tesos, nos primeiros amigos, na primária de São Lourenço e no Seminário dos Carmelitas Descalços. E, de repente, o curso na Católica, novos amigos, a entusiasmante advocacia e um desafio tão súbito como surpreendente: abandonar a profissão e candidatar-me à presidência da Câmara Municipal de Penafiel! Ora, escrevo este texto à mesma hora em que, há 19 anos, neste mesmo dia, se conheciam, aos poucos, os resultados das eleições autárquicas. É difícil recordar e rememorar todas as emoções que se misturaram num momento como aquele. Mas a vida cheia é a que se faz por ciclos, a de sabermos interpretar o papel a que somos chamados, quer no nosso crescimento interior enquanto seres humanos, quer a nossa relação com a comunidade. E também ter consciência de que todos os ciclos têm, inexoravelmente, um fim. E que, afinal, é o fim que conta. Aquele em que podemos olharmo-nos ao espelho e dizermo-nos, olhos nos olhos, que valeu a pena, e que estamos prontos para reiniciar outro ciclo. Mas também aquele que, sem receios ou remorsos, poderemos olhar os olhos dos outros, daqueles a quem servimos, e descobrirmos o reconforto de saber que saímos em paz, com a sensação da missão cumprida. Mesmo que não tivéssemos feito tudo certo, mesmo que não tivéssemos tomado sempre as melhores decisões. Mas pacificados por sabermos que, no tempo que a comunidade nos outorgou o poder de tomar as decisões para melhorar a sua qualidade de vida, sempre nos norteamos pela noção e convicção que nos entregávamos de corpo e alma a essa missão. Mas há outras coisas importantes que aprendi na missão pública: sozinhos, valemos pouco. Somos, sim, mais fortes quando encontramos equipas leais, coesas, fortes e competentes. Colaboradores que, sem olhar às cores partidárias de quem governa, cumprem com zelo e dedicação a sua missão. E um povo que se mobiliza para as causas da comunidade. As grandes e as pequenas. Mas as causas que são de todos, independente de terem votado no partido A ou B. E aprendi que há amigos que, em qualquer caso, ficam para a vida. E outros nem por isso, mas que, ainda assim, a vida continua. E que a união, mesmo na diversidade de opiniões, é uma muralha difícil de derrubar. Mas, como disse, que o dia mais importante da missão pública, não é o dia em que nela se entra – onde não faltam palmas e muitos amigos -, mas sim o dia em que se sai. Esse é que é dia de todas as verdades! Por isso, hoje, dia 16 de dezembro de 2020, 19 anos depois desse momento primordial da minha vida e do projeto que se iniciou em Penafiel (Penafiel Quer) e já com 7 anos de distanciamento depois de terminar esse ciclo pessoal, e do relançamento do projeto com o meu bom amigo Antonino de Sousa, agradeço e presto homenagem a todos os que ajudaram nessa pioneira caminhada, aos muitos que contribuíram para consolidá-la e a fazê-la crescer, aos adversários que a tornaram mais exigente e honrada, aos que exerceram o direito de crítica leal e intelectualmente honesta, aos que não concordaram e divergiram das minha opiniões. E aos amigos que ficaram para sempre. Com todos eles aprendi que a vida é tão complexa como fácil. Depende do modo como a conduzimos, em cada momento. Mas, sobretudo, como encerramos cada ciclo da nossa vida. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (28/12/2020) Os tempos em que vivemos são inesperados e complexos.
Andávamos todos, uns mais outros menos, a discutir relevantes questões para o futuro da Humanidade – alterações climáticas, emergências de poderes autoritários de natureza populista e extremista de direita e de esquerda, guerras e fundamentalismos religiosos às portas e dentro da própria Europa (que não podem sair da agenda) –, e somos surpreendidos por um inimigo coletivo invisível. Um inimigo que não olha a ideologias moderadas ou extremistas, a regiões e religiões, a gente preocupada ou negacionista (cresce mais, aliás, entre regimes e populações negacionistas). A Humanidade espera, assim, que se supere a si própria e que consiga encontrar, em tempo recorde, uma vacina e outros antídotos que sirvam de panaceia para o medo e efeitos dramáticos que a pandemia provoca nas populações, sobretudo mais desfavorecidas e vulneráveis física e financeiramente. Para além do acerto ou desacerto das decisões que os responsáveis políticos de cada nação – quase sempre e sem exceção procurando encontrar uma oportunidade na desgraça para se aumentarem a popularidade à custa do medo e do desconhecido, e nem sempre olhando com acerto para as indicações da boa ciência -, esta é a sobretudo a hora dos cidadãos. De cada um de nós. O sucesso desta guerra depende de cada um de nós. É um cliché, mas atentos os números que vemos, há que repeti-lo. Perante a situação calamitosa em que vivemos, há das questões essenciais: saúde física e psicológica e economia. E, nisso, há muito que depende de cada uma de nós. Os comportamentos adequados de distância social etiqueta respiratória são de todos conhecidos. Não há mais razões para nãos os adotarmos. Mas o foco principal da minha reflexão pretende sublinhar os outrosdois pontos. O primeiro na saúde mental: sem possibilidade de presença física, de abraços, beijos, mimos e convívios de tanto apreciamos, esta é a hora de reforçarmos os laços afetivos, no modo que pudermos. A força da palavra é imensamente poderosa. Ligar aos amigos e familiares, sobretudo aos que não podemos ver e estar ou que estão infetados ou contaminados, e dizermos-lhes que os estimamos, que os amamos, que desejamos as melhoras rápidas, que nos preocupamos com eles, terá certamente um efeito potente no seu ânimo e coração. Em segundo lugar, a parte económica, com efeitos igualmente devastadores. E nisso, também podemos ajudar. Todos continuamos a precisar de consumir: alimentos, roupa e outros bens de primeira e outras necessidades. Muitas vezes não olhamos para a origem dos produtos, deixamo-nos levar pelo impulso. Chegou a hora de deitarmos essa atenção. Comprarmos o que é da nossa região, ou do nosso país, é um ato patriótico que o país precisa, neste momento. Se pudermos comprar os legumes dos nossos vizinhos, ou as bananas da Madeira, porque comprar o que vem de longe? Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (20/11/2020) A existência é gratificante quando nos surpreende com algo que tanto desejamos e reconforta.
Por vários dias, meses e anos da minha vida, deslumbrado com os livros que que lia, sonhei escrever as minhas próprias histórias. Histórias que fizessem viajar no tempo e no espaço, que fossem o passaporte mágico e invisível para comungar a vida real com a imaginação; com a memória e os vários tempos históricos; a infância – território fecundo de vivências escondidas -; o subconsciente coletivo e de cada um em particular; com a condição humana, nas suas grandezas, tragédias,milagres e comédias. Milagres podem acontecer quando dirigimos intensamente a nossa vontade consciente e subconsciente para a transformação de algum aspeto da vida. Milagre ou não, foi assim que começou a minha jornada de escritor. Incubando a ideia, lendo muito, compreendendo como os grandes autores construíram as suas telas literárias, desejando muito escrever uma bela história, e procurando uma ideia. Até que, sem perceber muito bem como, estava a escrever os primeiros capítulos de «A Escrava de Córdova», nos idos de 2006, e que, incrivelmente, viria a ver a luz do dia em maio de 2008, e conquistando dezenas de milhar de leitores. A oficina do escritor estava montada: com a incubadora de personagens, fábrica das roupas mais esquisitas, armazém dos meios de transporte – a maior parte deles em desuso -, igrejas, mesquitas e sinagogas, Deus, deuses e diabos de todas as espécies, cenários belos e grotescos, amor, paixão, amizade, lealdade, medo, inveja, traição, emoção, tédio e tudo mais que convém a uma oficina de autor. A partir de então, o espírito invisível que me visitou nos primeiros tempos contando-me histórias ao ouvido para as passar para o papel, vinha de vez em quando, obrigando-me a suar imenso na investigação e na escrita. Tantas vezes sofrida e desesperada, sem saber que sorte dar às personagens que pariam abundantemente nas minhas mãos. A Profecia de Istambul (2010), O Segredo de Compostela (2013), Para lá de Bagdad (2015), A Arte de Caçar Destinos (2017) e Amantes de Buenos Aires (2019) nasceram naquela oficina, onde, sempre que posso, me recolho para prosseguir na fabricação de novas ideias e histórias. Na verdade, tudo vai do começar! Depois, não há como parar! Alberto S. Santos |
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Agosto 2024
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