Ultimamente, têm vindo a público várias notícias relacionadas com problemas com imigrantes. Foi o caso do incêndio na Mouraria, em plena Lisboa. Facto já havia sido trazido às agendas mediáticas, tempos antes, em Odemira. E foi, também há dias, em Olhão, onde um grupo de jovens bem enquadrados socialmente agrediu também um nepalês (está-se a apurar se por roubo ou xenofobia).
Na sua rápida e pertinente reação, o Presidente da República visitou o jovem agredido para lhe explicar, e a todos os imigrantes, que Portugal não tolera este tipo de problemas. E dar uma aula de integração numa escola de Olhão. E com razão. Os portugueses de hoje deverão recordar-se que Portugal foi (e ainda é) um país de forte fluxo emigratório. Não falando das emigrações decorrentes das conquistas africanas, americanas e asiáticas, milhões de portugueses emigraram desde a segunda metade do século XIX, e depois da Segunda Guerra Mundial, essencialmente para o centro da Europa, para a América do Norte, América do Sul e Austrália. Na maior parte dos casos, saíram porque o nosso país não conseguia garantir pão e emprego condigno a tanta gente, sobretudo no interior pobre e esquecido. De resto, naquela segunda vaga migratória, Portugal foi um relevante fornecedor de mão-de-obra das economias em crescimento do oeste e norte da Europa. Hoje, apesar de ainda muitos portugueses emigrarem, Portugal é também um país de destino de muita gente, em busca de melhores condições de vida. Em 2020, segundo dados do SEF, a população estrangeira no país era de 590.348 mil residentes. Por outro lado, dos quase 80 mil bebés nascidos em 2021 em Portugal, mais de 10 mil, o equivalente a 14 %, são filhos de mães estrangeiras (dados da Pordata). E, segundo os mesmos dados, em 2021, entraram em Portugal cerca de 51 mil imigrantes e saíram cerca de 25 mil emigrantes, o que reflete um saldo positivo de 26 mil pessoas. Ora, um país é grande não só nos feitos económicos (poucos, apesar de tudo), desportivos, na atração de turistas ricos ou de grandes eventos, mas sobretudo pela grandeza moral do seu povo. Pela preservação da sua memória coletiva. Por saber acolher os que hoje precisam, tal como souberam outros acolher-nos ao longo dos tempos, quando também outros portugueses precisaram. Por isso, não são toleráveis atos xenófobos (de alegada supremacia cultural) ou racistas (de descriminação pela raça ou cor da pele). E as reações de repúdio e indignação devem ser imediatas, como aconteceu em Olhão. Mas não podem ficar pelo momento, até o assunto sair do telejornal. Impõem-se políticas concretas que evitem os ghettos de emigrantes quando acontece uma desgraça, que combatam os grupos criminosos organizados que os trazem, ameaçam e exploram, e quem ofenda os seus direitos mais básicos. E, claro, uma forte educação para a cidadania de integração, que não pode bastar-se por uma apenas uma aula do PR em Olhão. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (11/02/2023) Desde 1974 que vivemos numa democracia e desde 1986 que integramos a União Europeia, mais próximos das democracias de modelo ocidental, surgido no final da Segunda Guerra Mundial. Um conceito baseado nos direitos humanos, livre escolha dos eleitos pelos cidadãos, respeito pelas minorias, estado de direito e livre comércio. Um democracia liberal, portanto.
Porém, no final do século passado, Fareed Zakaria chamou a atenção para a emergência das democracias iliberais, ou seja, de “regimes eleitos democraticamente, muitas vezes reeleitos ou reforçados por referendos que ignoram os limites constitucionais de seu poder e privam seus cidadãos de direitos e liberdades básicos”. Ou seja, embora não sendo ditaduras, sustentam-se nas eleições e, considerando o modelo ocidental obsoleto, invocam outros conceitos legitimadores: a ordem, o controle da imprensa, a família, a religião, o culto à pátria, a ‘mitificação’ do passado e até mesmo, em alguns caos, o estabelecimento da pena de morte. Nos últimos tempos, as democracias iliberais ganharam terreno. Para além dos conhecidos velhos casos da Rússia e da Turquia, surgiram, já no seio da União Europeia, os da Hungria, da Polónia (agora menos, com a ameaça Russa) e da Áustria (em determinados momentos). Mas, os que mais recentemente chamaram a atenção do mundo foram os Estados Unidos de Trump e o Brasil de Bolsonaro. Ali, assistimos, nas urnas, nas ruas e nos centros simbólicos do poder, às massas a lutarem pela implantação desse tipo de regimes, acreditando mesmo nas teses mais inverosímeis sobre a manipulação de resultados. Este é o perigo do mundo novo. O das democracias iliberais, que procuram impor modelos autoritários e populistas, baseados na liderança de um suposto homem forte e providencial. O seu nascimento tem, certamente, razões diferentes. Partem, por exemplo, da intolerância com a diversidade étnica ou multiculturalista trazida pelos povos migrantes, de problemas corrupção, de desemprego ou de insegurança, ou de motivações religiosas. Algo que, nem sempre as chamadas democracia liberais conseguem resolver. Mas mais vale uma democracia que, embora imperfeita, preza as liberdades individuais, o humanismo e o respeito pela diferença, do que uma suposta democracia que restringe os direitos civis, ignora os limites constitucionais e que não respeita heterogeneidade étnica, religiosa e cultural de suas sociedades. Que nunca caiamos em tentação! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (16/01/2023) A leste da Europa, os ucranianos lutam pela sua terra e pelo seu país. Alguns que vivem fora do país regressam a casa para essa luta. A questão é que as razões que levaram Putin a invadir a Ucrânia e, a seguir, sabe-se lá que outros países, são totalmente inaceitáveis no século XXI, no quadro civilizacional em que, a Ocidente, entendemos estar.
Por isso, a defesa heroica dos ucranianos não é só pela sua terra e pelo seu país. É muito mais do que isso. Tenho para mim que os ucranianos são a tropa de choque, a linha da frente, que luta por eles… mas igualmente por todos nós. Lutam e morrem também pela Europa Ocidental, pelos nossos valores, pelo nosso estilo de vida, pelas nossas conquistas civilizacionais, por tudo isto que é, afinal, o queremos legar aos nossos filhos, às próximas gerações. E que tanto nos custou a conquistar. É claro que não são todos os russos que defendem o seu tirano, por isso não se pode estigmatizar toda a sua população, sobretudo os que vivem em Portugal, que dele fugiram ou que estão contra as suas hediondas decisões. Por tudo isso, não posso deixar de me confessar perplexo por saber que existem ainda setores da sociedade portuguesa que estão a favor desta invasão, e da guerra, insensíveis ao massacre de populações inocentes e à tirania, tudo a coberto de uma capa gasta de luta pela liberdade. Porque, afinal, o mundo ideal que representam é o concebido pela mente de Putin e pelo Kremlin, que lhe obedece acriticamente. Não são verdadeiras as liberdades que nos libertem de uma tirania de direita e nos entreguem a uma tirania de esquerda, ou que nos libertem de uma tirania de esquerda para nos entregar a uma tirania de direita. Ou que nos deixem sujeitas aos caprichos de mentes egocêntricas e malformadas. Esta é uma lição sobre a qual os portugueses, mas sobretudo as novas gerações que procuram o seu posicionamento político, e por vezes se deixam iludir por certos encantos retóricos dos radicalismos dos extremos políticos, devem refletir profundamente. Hoje, os ucranianos defendem com o seu sangue valores comuns aos nossos, mas amanhã não saberemos quem mais o terá de fazer, se não tivermos uma sociedade convicta e bem formada sobre o que são os valores da democracia, da paz e da liberdade. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (12/03/2021) Quando começa um novo ano, todos fazemos votos de que seja melhor do que ao anterior. Normalmente, existem dados já conhecidos que nos permitem guiar esses desejos e expectativas.
Porém, este 2022 começa com o misto de incertezas por todos os lados, que não nos dão uma bússola segura para nos guiar no desconhecido. Ao nível global, duas incógnitas ainda sem norte à vista: a primeira, de curto prazo, é a absoluta imprevisão dos efeitos da pandemia. De um dia para o outro, a certeza de ontem já não é a de hoje, muito menos a de amanhã. Ficamos à deriva com as novas variantes, sem perceber até onde as vacinas nos imunizam (embora ainda protejam na severidade da doença) e quando tudo isto acabará. Por outro lado, assistimos a um imparável crescimento do da temperatura no planeta, tendo a OMM anunciado que os últimos 7 anos foram os 7 anos mais quentes da história. Enquanto isso, os governos mais poderosos assobiam para o lado e continuam focados em como dominar os outros e prepararem-se para guerras (crise da Ucrânia, de Taiwan, etc.) Ao nível nacional, mergulhamos num enorme ponto de interrogação sobre o futuro político do país. Em 47 anos de democracia, foi a segunda vez que um Orçamento de Estado chumbou no Parlamento, mas a primeira em que a rejeição provocou a dissolução da Assembleia da República. E, tirando o facto de vivermos em duodécimos, ninguém está em condições de assegurar o que irá acontecer a partir de 30 de janeiro: um governo maioritário, governo minoritário com apoios à esquerda, à direita ou ao centro, um governo minoritário sem esses apoios, ou uma iminente nova crise política por falta de entendimentos. Na economia, o ambiente é igualmente perplexo: por um lado, faz-se fé no crescimento económico para os níveis pré-pandemia ou superiores, por outro, a um assustador crescimento do preço das matérias-primas, dos combustíveis, do nível e vida em geral e dos produtos de primeira necessidade, cujo crescimento económico e salarial médio não acompanha. Diz quem sabe, que a casos com este segue-se uma nova crise, de feitos imprevisíveis e que, assim sendo, ela aparecerá em 2024. Enquanto cidadãos, resta-nos, porém, fazer o que está ao nosso alcance: nas escolhas políticas que fazemos, no estilo de vida que levamos, nos cuidados sanitários que adotamos, nos investimentos que fazemos e na voz que nunca poderemos cansar de erguer em favor de uma sociedade política, económica, climática e sanitariamente mais forte e mais justa. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (15/01/2022) A celebração da democracia conquistada em Portugal, há 47 anos, não pode passar de um ato reconduzido à distância de discursos dos nossos representantes.
Neste momento, cerca de metade da nossa população nasceu depois do 25 de abril de 1974. Ou seja, a partir de agora, cada vez menos portugueses terão memória direta do antes e do depois. A esta razão somam-se duas outras de capital importância para lembrarmos vincarmos a importância do acontecimento e de sabermos explicá-la a quem nasceu fora do jugo da ditadura. A primeira, é o facto de vivermos no meio de uma pandemia, durante a qual foram decretados vários estados de emergência e, consequentemente, várias restrições à nossa liberdade. Sobretudo à liberdade de movimentos e de reunião física. Foi por um bem maior, mas basta imaginar que assim haveríamos de viver anos a fio, por imposição de um líder autoritário, e que a isso se somava a privação da liberdade de opinião e um atraso estrutural do país relativamente ao mundo ocidental, para ficarmos já com uma ideia. A segunda relaciona-se com as modernas tentações dos extremismos. Até 1974, depois de um tempo ditatorial e nacionalista exacerbado, Portugal viveu mais ou menos imune a esse mal, com as franjas mais radicais e demagógicas, à esquerda e à direita, pouco expressivas. Porém, começa a não ser assim. Cada vez mais gente que não viveu o antes do 25 de abril, ou, que se o viveu, gostaria de restaurar algo parecido com essa época, aceita, consciente ou inconscientemente, enveredar por esses caminhos. É certo que a democracia, a nossa democracia, tal como qualquer construção humana, não é um regime perfeito. E que ainda deixa gente excluída, frustrada e não realizada enquanto pessoa humana. Mas como disse um dia Churchill, ainda não se inventou melhor sistema. Assim, ao contrário do que alguns defendem, a hora não é de criarmos novos regimes que rompem o legado desse Abril construído pelos mais sensatos pais da pátria, mas de aprofundarmos e melhorarmos a nossa democracia, que é um património nacional e coletivo de raro valor para todos nós. Basta olhar para os países onde isso não acontece. Um espaço onde – como disse há dias Marcelo Rebelo de Sousa no provavelmente melhor e mais aglutinador discurso de sempre – caibam todos os portugueses, onde se concilie a memória coletiva intergeracional e combata os sectarismos e a tribalização crescente na sociedade portuguesa e nas democracias ocidentais. Por tudo isto, e porque, apesar das suas imperfeições, é o único regime que tem legitimidade e cujos governos não podem inspirar medo nos governados. Porque estão sujeito às leis e é baseado nos direitos dos cidadãos, nomeadamente nas suas liberdades civis. Esse é o milagre da legitimidade democrática, que nunca convém perder de vista. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (07/05/2021) Vivemos um novo confinamento. Hoje, todos os políticos dizem que era uma inevitabilidade. E, ao que parece, a culpa foi do Natal e do Inverno.
Entretanto, ocorrerá o ato eleitoral para escolher o PR. E agora: aqui d’el rei, como levar as pessoas às urnas, quando o medo e os números da pandemia nos paralisam os movimentos? É estranho que só nas vésperas do ato eleitoral, o assunto do seu adiamento se tenha colocado. Ou seja, sabendo todos – Governo, PR, DGS, especialistas – que esta era uma realidade altamente provável, porque ninguém preparou este cenário: adiar as eleições ou permitir que um maior número de eleitores pudesse votar? Era uma excelente oportunidade para se modernizar o modo arcaico como ainda se vota, quando já se conhecem meios mais capazes. E porque não se aproveitou parapermitir o voto por correspondência, como aconteceu nos EUA? Pelo menos, deste modo, melhor se cumpriria a democracia. E era o adequado para os 1,4 milhões emigrantes que não poderão votar por correspondência, apesar dos insistentes apelos dos seus representantes. Mas ninguém colocou atempadamente a questão? Não é bem assim. Houve alguém que, a 8 de setembro de 2020, colocou o dedo na ferida. Quem? Vitorino Silva. Basta consultar as notícias desse dia na Internet. Todos sabem que somos adversários políticos, mas amigos há muito tempo. Ambas as circunstâncias não me impedem de reconhecer a sua acutilante intuição. Pode não ter os conhecimentos e habilidades para ser PR, mas, no seu modo simples e original, pôs o dedo na ferida no momento certo, e nunca foi levado a sério. Não era preciso ser especialista, mas apenas ter a experiência da vida, para se perceber que, a seguir ao Natal, em pleno Inverno, sem vacinas em massa, o risco de vivermos um pico pandémico em janeiro era muito provável. Havia tempo para se modernizar o modo de votação, através do voto por correspondência, do voto por meios eletrónicos, ou o adiamento das eleições, mesmo que para isso fosse necessário rever a legislação. Será por isso lamentável que o PR seja eleito com elevada abstenção, e que o ato eleitoral seja mais um foco de contaminação. Pior: é lamentável que a pandemia não tenha acordado os políticos para essa evidência. E que não os tenha levado a modernizar o sistema de votação. Afinal, se há tanto consenso para um novo confinamento, porque não o houve para se mudar a lei e atender a estas situações? É que, como sempre aprendi, é nas crises e dificuldades que se geram as grandes oportunidades de evolução. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (16/01/2021) |
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