Quando começa um novo ano, todos fazemos votos de que seja melhor do que ao anterior. Normalmente, existem dados já conhecidos que nos permitem guiar esses desejos e expectativas.
Porém, este 2022 começa com o misto de incertezas por todos os lados, que não nos dão uma bússola segura para nos guiar no desconhecido. Ao nível global, duas incógnitas ainda sem norte à vista: a primeira, de curto prazo, é a absoluta imprevisão dos efeitos da pandemia. De um dia para o outro, a certeza de ontem já não é a de hoje, muito menos a de amanhã. Ficamos à deriva com as novas variantes, sem perceber até onde as vacinas nos imunizam (embora ainda protejam na severidade da doença) e quando tudo isto acabará. Por outro lado, assistimos a um imparável crescimento do da temperatura no planeta, tendo a OMM anunciado que os últimos 7 anos foram os 7 anos mais quentes da história. Enquanto isso, os governos mais poderosos assobiam para o lado e continuam focados em como dominar os outros e prepararem-se para guerras (crise da Ucrânia, de Taiwan, etc.) Ao nível nacional, mergulhamos num enorme ponto de interrogação sobre o futuro político do país. Em 47 anos de democracia, foi a segunda vez que um Orçamento de Estado chumbou no Parlamento, mas a primeira em que a rejeição provocou a dissolução da Assembleia da República. E, tirando o facto de vivermos em duodécimos, ninguém está em condições de assegurar o que irá acontecer a partir de 30 de janeiro: um governo maioritário, governo minoritário com apoios à esquerda, à direita ou ao centro, um governo minoritário sem esses apoios, ou uma iminente nova crise política por falta de entendimentos. Na economia, o ambiente é igualmente perplexo: por um lado, faz-se fé no crescimento económico para os níveis pré-pandemia ou superiores, por outro, a um assustador crescimento do preço das matérias-primas, dos combustíveis, do nível e vida em geral e dos produtos de primeira necessidade, cujo crescimento económico e salarial médio não acompanha. Diz quem sabe, que a casos com este segue-se uma nova crise, de feitos imprevisíveis e que, assim sendo, ela aparecerá em 2024. Enquanto cidadãos, resta-nos, porém, fazer o que está ao nosso alcance: nas escolhas políticas que fazemos, no estilo de vida que levamos, nos cuidados sanitários que adotamos, nos investimentos que fazemos e na voz que nunca poderemos cansar de erguer em favor de uma sociedade política, económica, climática e sanitariamente mais forte e mais justa. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (15/01/2022) No meio do mês das férias, tomamos conhecimento que a máscara finalmente vai cair. Será em meados de setembro que deixaremos de ser obrigados a passear no espaço público com este recente adereço na nossa indumentária.
Na verdade, andando por aí, vê-se que os portugueses rapidamente se adaptaram à dita, como se fosse a uma nova moda, e foram cumprindo, nos últimos tempos, com esta regra sanitária. Algo que não se viu noutros países do centro da Europa. Por isso, não deixará de ser curioso verificar como se fará o desapego ou desligamento desse hábito. Se manteremos a rotina de pegar na máscara de manhã, por ato mecânico ou por o medo de contaminação se ter instalado no subconsciente coletivo. Até porque as notícias sobre as capacidades de infeção da variante delta do vírus não são animadoras por aí além, e ninguém foi capaz de demonstrar ainda ser possível atingir-se uma efetiva e desejada imunidade de grupo. Mas, no meu ver, a queda da máscara é um bom sinal. Com as distâncias devidas, é certo, mas simbólico como a queda do Muro de Berlim. É que, atrás da máscara esconde-se um tempo impensável em que vimos coartadas as nossas liberdades individuais: a liberdade de reunião; a liberdade de utilização do espaço público; a liberdade de comer onde se quer; de se estar com quem se quer. Mas também a liberdade de mostrarmos os afetos, através de beijos, sorrisos e abraços, de estarmos com os nossos entes mais queridos, em especial com os mais velhos. De viajarmos. Em suma, de celebramos todos os dias o dom da vida. Por isso: que caia a máscara! Mas que atrás da máscara que cai, regressem os abraços. Mas de vez. Bem sei que o regresso dos abraços não se decreta por lei. Há ainda que aguardar que a ciência nos continue a surpreender, encontrando soluções que mais rapidamente sustenham as constantes mutações do vírus. Mas podermos voltar a circular sem máscara, não deixa de ser um enorme ato simbólico do regresso da esperança em voltarmos a ser livres. De voltarmos ao tempo em que éramos felizes sem saber. Que ela caia! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (28/08/2021) A pandemia acabará e o mundo não. Esta é, pois, boa hora para refletir sobre o nosso futuro coletivo. Há duas questões que nos ecoam:
Em que mundo vamos desembarcar, quando tudo isto passar? Que aprendizagens esta crise deixará? O vírus que abalou o planeta, colocou-o em quarentena, recuou o futuro, adiou planos, compromissos e projetos. Enfrentamos uma das maiores crises da História recente da Humanidade: milhares de vítimas, colapso em inúmeros sistemas de saúde, legiões de desempregados, fronteiras fechadas, crianças sem aulas, trabalho remoto, economia em agonia e indústrias paradas. Neste “novo anormal”, a pandemia remodelou o modo como nos relacionamos com o mundo, com os outros e com nós mesmos. Até mesmo com o nosso corpo. Sim, subitamente, o nosso corpo tornou-se numa ameaça para nós próprios e para os outros. O poder de matar está ao virar da esquina e a arma para combatê-lo é sairmos de cena, isolarmo-nos, mascararmo-nos, afastarmo-nos uns dos outros. De repente, não sabemos como será o amanhã. Felizmente, é de esperança a primeira lição: a ciência esteve à altura dos acontecimentos. Rapidamente, encontrou várias vacinas, e não tardará a encontrar remédios para a doença. Hoje, o problema é como chegará a vacina rapidamente a todos. Mas existem outras cujas respostas ainda desconhecemos, e que integrarão os grandes desafios da nova Humanidade. Abriremos espaço para uma tecnologia mais emocional? A educação vai finalmente reinventar-se? Quais serão as novas habilidades e estratégias das lideranças políticas, empresariais e sociais? Como a análise de metadados pode ajudar o bem da Humanidade? Seremos mais ou menos cautelosos no contacto interpessoal? Vamos adotar de vez a digitalização no trabalho? Saberemos regenerar nossa relação com a natureza? Aprenderemos a combater com eficácia e determinação as causas das alterações climáticas? Os velhos problemas ganharão outras gravidades, com o acentuar das velhas pandemias sociais, como as fake news, a manipulação da informação e dos recursos naturais, dos mais fortes pelos mais fracos, a consolidação de uma certa planura intelectual modelada pelas redes sociais, os radicalismos políticos e religiosos, a manipulação das mentes e decisões através dos algoritmos, os egoísmos atrás de novas fronteiras, os mau usos da genética, da robótica e da inteligência artificial? Na resposta a estas questões estará a linha de salvação ou desgraça da Humanidade. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (15/03/2021) Poderá haver um ladrão de memórias? Descobri que sim, como procurarei demonstrar.
Marguerite Yourcenar disse um dia: Quando se gosta da vida, gosta-se do passado, porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória humana. É certo que não podemos viver permanentemente na sombra do passado, mas, sendo o passado – através da memória – tudo o que sobra do nosso presente, podemos concluir que, afinal, somos seres abençoados. Abençoados por termos o dom da recordação do tempo que nos proporcionou ter lastro de vida. E quanto maior o lastro, quantas mais recordações e memórias temos gravadas, mais tempo parece que vivemos. Ou seja, o nosso tempo de vida não se mede tanto pelo número de dias, meses ou anos que o registo civil ou a medicina atestam que o nosso corpo viveu, mas mais pelo tempo medido em registo das memórias da nossa existência. Boas ou más, mas memórias que fazem perceber que o curso da vida foi ou mais, ou menos, longo e duradouro. Vem isto a propósito da época em que vivemos. A pandemia e o confinamento não restringem apenas a nossa liberdade física. Roubam-nos também o ouro mais valioso da existência: as nossas memórias, o tempo de vida recordante. Quando olho para o último ano, sou varrido por uma inquietante sensação de desaparecimento de memórias das experiências que rompem o quotidiano. Sobra o ramberrambe de um dia igual ao outro. Ora confinado, ora conveniente distante dos demais, ora mascarado. Pilhado das emoções das viagens, da descoberta, dos amigos, do convívio, do cinema, do espetáculo, da liberdade de estar. De um simples e tão humano abraço. E pior: de ver o sorriso dos outros. Afinal, antes éramos felizes, e não o sabíamos! Por isso, o último ano passou tão rápido que nem dei por ele. Porque não está impresso no meu registo de vida com memórias, de recordações, de passado vívido. Foram praticamente dias que se seguiram uns aos outros, quando, de repente, descubro que já nos encontramos no mesmo mês do ano em que soubemos que um estranho vírus chegava a Portugal. Quando não existem memórias, a liberdade é apenas um vislumbre, uma ilusão. Não falo da liberdade física, limitada por confinamentos restrições e distâncias, em nome da saúde física. Mas da liberdade de usufruirmos da condição de seres plenos, inteiros. Seres que se realizam na felicidade de uma viagem, de um abraço, de um beijo, de um sorriso, do salutar convívio familiar e social que nos faz humanos, e nos faz tão bem. Tudo isto este vírus nos roubou. Esse ladrão de memórias! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (12/02/2021) |
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