No dia em que escrevo (16 de novembro de 2022), passam cem anos do nascimento de José Saramago. Para além ter sido um raro português a quem foi atribuído um Prémio Nobel, talvez tenha sido o escritor que maior marca literária nos deixou nos últimos cem anos. A seguir a Fernando Pessoa, que já faleceu nos idos de 1935.
Penafiel tem uma profunda gratidão por José Saramago. E eu, em particular. Em 2009, a Escritaria dava os primeiros passos. A primeira edição, com a doença de Urbano Tavares Rodrigues, ainda não conseguira atingir a dimensão que se pretendia. Generosamente, José Saramago aceitou estar entre nós, na segunda edição. Foi um momento raro, extraordinário, comovente e impactante. De repente, a Escritaria estava no mundo inteiro, a propósito do lançamento do que viria a ser último livro da vida do autor. Em pleno Museu Municipal de Penafiel. A abarrotar de gente todos os dias, que acudiam de lugares inimagináveis. Com todos os órgãos de comunicação a emitir peças fantásticas, a partir de Penafiel. Com Saramago, vieram também convidados de grande craveira: o reconhecido cineasta brasileiro Fernando Meireles, Pilar del Río, Fernando Gómez, comissário da exposição “José Saramago: A Consistência dos Sonhos”, os escritores Laura Restrepo e Miguel Real, José Joaquín Parra, autor da obra “Pensamiento Arquitectonico en la Obra de Jose Saramago: Acerca de la Arquitectura de la Casa”, entre outros. Por isso, a partir de 2009, ficamos mais ricos. A cidade e o concelho ganharam outra dimensão, dentro e fora. A Escritaria estava definitivamente gravada como uma marca de Penafiel. A presença e as palavras de José Saramago foram fundamentais. Por isso, estamos gratos. A gratidão talvez seja dos maiores valores que podemos experimentar. Algo que, tantas vezes, nas inebriantes e fugazes glórias de certos momentos, tendemos a esquecer. Mas que o futuro sempre nos lembra, por vezes, com amargura. Por isso, importa, hoje, manifestar esse nobre sentimento com alguém que nos foi importante, e cuja passagem deixou uma marca indelével e inesquecível. Como inesquecíveis são os pensamentos e frases acutilantes que povoam o nosso imaginário, como a que ficou gravada nas paredes da cidade, ou então esta que muitas vezes recordo: O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas. Obrigado José Saramago! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (19/11/2022) Os últimos anos trouxeram-nos novos hábitos, quanto à ocupação do tempo. As empresas da tecnologia jogaram forte no entretenimento. São os jogos dos smartphones, as séries da Netflix e de outras plataformas de streaming, as redes sociais, as aplicações de comunicação e mesmo a navegação aleatória ou recreativa na internet.
Como isso, julgo que se vão perdendo hábitos de leitura dos livros, sobretudo dos livros físicos. Dos que contam histórias e nos estimulam a mente. Como se sabe, as referidas tecnologias usam técnicas subversivas de viciação, através de estímulos psicológicos ao consumo rápido, a que nem as séries escapam. Tudo é criteriosamente montado para que o consumidor fique preso a écrans, seja de telemóveis, tablets ou aparelhos de televisão. A questão que se coloca é, assim, a de saber que tipo de transformações isso pode trazer aos humanos. Não sou especialista na matéria, mas tenho boas razões para suspeitar que a literatura acrescenta um valor inestimável à condição humana, permitindo aos autores criarem novas atmosferas, novas realidades, que são entretecidas por construções gramaticais que enriquecem a língua, e cujas vozes arquitetam os seus universos narrativos. Da parte dos leitores, a riqueza da literatura advém da possibilidade de gerar abstração, tempo suficiente para a reflexão, permitindo a formação de um pensamento crítico mais elaborado e fundamental à autodeterminação e à liberdade do ser humano. A sujeição massiva e aditiva a produtos tecnológicos estandardizados ou sujeitos ao impulso do momento fazem uma sociedade mais padronizada, mais permeável ao consumismo acrítico e mesmo a políticas e políticos demagógicos e populistas. O problema tende a tornar-se mais agudo nas novas gerações, que já nascem e crescem neste novo paradigma. É assim importante que os sistemas educativos das democracias promovam a literacia literária, que cada família não a esqueça na formação das suas crianças, e que cada um encontre a dose certa no consumo das várias ofertas de entretenimento. E que rejeite ser apenas mais uma ovelha no rebanho. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (19/12/2021) |
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Agosto 2024
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