O dia 13 de março de 2013 ficará marcado na minha memória, por duas incríveis coincidências: nesse dia terminei a escrita de um novo livro (“O Segredo de Compostela”) e, nas varandas do Vaticano, era anunciada a eleição de um novo Papa (Francisco).
A coincidência poderia não ter qualquer importância, não fosse o facto de o protagonista do livro (Prisciliano) ser uma espécie de Francisco de outros tempos. Que igualmente ousou confrontar os excessos, a corrupção, a desconsideração do papel dos leigos, o androcentrismo e uma certa misoginia na Igreja do Séc. IV. Quando Francisco foi eleito, muitos acharam que seria uma mera transição dentro do conservadorismo de uma instituição bimilenar, muito envelhecida, e que, em muitos aspetos, não cultivava o espírito do verdadeiro Cristianismo. Os gestores do dinheiro do Vaticano eram vistos como vendilhões do Templo, a pedofilia era abafada pelas cúpulas, os seminários esvaziavam-se. O diabo infiltrara-se na casa de Deus, e a resignação do anterior Papa, justificada com a idade, era antes lida como falta de forças para o escorraçar sem tibiezas. Por isso, muitos subestimaram aquele homem que não era um intelectual e que falava simples. Mas nem a sua mão lhe tremia nem as suas palavras tinham ambiguidades. E com elas abanava os muros do Vaticano e os da Igreja no mundo inteiro. Era o primeiro latino-americano, o primeiro jesuíta, o primeiro a escolher o nome de Francisco, o pobre, depois de 265 Papas e 2000 anos de História da Igreja, e veio para promover uma revolução, tranquila, mas segura. Dez anos depois, os resultados estão derrubou as diferenças de género, incluiu os marginalizados, deu voz aos laicos, a corrupção no Vaticano deixou de ser notícia, os pedófilos protegidos por à vista. Quebrou tabus, cúmplices silêncios foram denunciados, visitou lugares impensáveis para um Papa (o primeiro foi Lampedusa), promoveu a diversidade e trouxe as periferias do Cristianismo para o seu centro (a maior parte dos cardeais já não são europeus). Escreveu sobre a ecologia global para a proteção da natureza, onde incluiu a necessidade de justiça social e de proteção aos mais frágeis da sociedade. Numa palavra: cumpriu o Evangelho! Não admira por isso que a sua palavra, o seu exemplo e mensagem tenham tocado tantos corações. E que hoje seja mais amado pelos laicos do que por alguns setores da Igreja, que aguardam impacientes a sua saída. Mesmo em Portugal, como se viu com a recente novela da pedofilia, cujo combate se lhe deve exclusivamente. Talvez faltem cumprir alguns desígnios cujo debate a Igreja não poderá evitar: o acesso das mulheres aos ministérios sacramentais, a maior consideração dos leigos nas paróquias e a possibilidade de os padres constituírem família. Tudo questões que a igreja alemã (em cujo território atual foi decapitado Prisciliano) está hoje a colocar. Por uma razão muito simples: estas regras da Igreja não constituem qualquer dogma do Cristianismo, não resultam da mensagem de Cristo. Basta ver, por exemplo, o papel que Ele conferiu às mulheres (Maria, Madalena, Marta, etc.), e que, durante vários séculos, os primeiros líderes da Igreja foram casados e os leigos tiveram um papel decisivo na disseminação do Evangelho. Ora, muitas das ideias de Francisco foram defendidas pelo bispo Prisciliano. Por fazê-lo sem tibiezas há 1600 anos, foi perseguido e executado. Ninguém sabe como seria hoje o mundo se as suas ideias tivessem vingado. Acredito que fosse bem melhor. Porém, uma coisa parece agora clara: depois de Francisco, nada ficará como dantes. Pelo menos para a comunidade dos crentes. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (08/04/2023) Desde 1974 que vivemos numa democracia e desde 1986 que integramos a União Europeia, mais próximos das democracias de modelo ocidental, surgido no final da Segunda Guerra Mundial. Um conceito baseado nos direitos humanos, livre escolha dos eleitos pelos cidadãos, respeito pelas minorias, estado de direito e livre comércio. Um democracia liberal, portanto.
Porém, no final do século passado, Fareed Zakaria chamou a atenção para a emergência das democracias iliberais, ou seja, de “regimes eleitos democraticamente, muitas vezes reeleitos ou reforçados por referendos que ignoram os limites constitucionais de seu poder e privam seus cidadãos de direitos e liberdades básicos”. Ou seja, embora não sendo ditaduras, sustentam-se nas eleições e, considerando o modelo ocidental obsoleto, invocam outros conceitos legitimadores: a ordem, o controle da imprensa, a família, a religião, o culto à pátria, a ‘mitificação’ do passado e até mesmo, em alguns caos, o estabelecimento da pena de morte. Nos últimos tempos, as democracias iliberais ganharam terreno. Para além dos conhecidos velhos casos da Rússia e da Turquia, surgiram, já no seio da União Europeia, os da Hungria, da Polónia (agora menos, com a ameaça Russa) e da Áustria (em determinados momentos). Mas, os que mais recentemente chamaram a atenção do mundo foram os Estados Unidos de Trump e o Brasil de Bolsonaro. Ali, assistimos, nas urnas, nas ruas e nos centros simbólicos do poder, às massas a lutarem pela implantação desse tipo de regimes, acreditando mesmo nas teses mais inverosímeis sobre a manipulação de resultados. Este é o perigo do mundo novo. O das democracias iliberais, que procuram impor modelos autoritários e populistas, baseados na liderança de um suposto homem forte e providencial. O seu nascimento tem, certamente, razões diferentes. Partem, por exemplo, da intolerância com a diversidade étnica ou multiculturalista trazida pelos povos migrantes, de problemas corrupção, de desemprego ou de insegurança, ou de motivações religiosas. Algo que, nem sempre as chamadas democracia liberais conseguem resolver. Mas mais vale uma democracia que, embora imperfeita, preza as liberdades individuais, o humanismo e o respeito pela diferença, do que uma suposta democracia que restringe os direitos civis, ignora os limites constitucionais e que não respeita heterogeneidade étnica, religiosa e cultural de suas sociedades. Que nunca caiamos em tentação! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (16/01/2023) No passado dia 10 de outubro, assinalou-se o Dia Mundial da Saúde Mental.
Para muitos, a saúde mental é um subgénero da saúde em geral, uma vez que se tende a valorizar mais a queixa física em detrimento de algo que se tende a atribuir a um estado de espírito ou a uma característica da personalidade. Para além dos casos mais graves, normalmente já encaminhados e acompanhados, existe na atualidade um conjunto de acontecimentos suscetíveis de afetar a saúde mental de todos nós, nomeadamente das crianças e jovens, e que tantas vezes nos passam ao lado. A História confirma que a falta de investimento em saúde mental gera profundo e invisível sofrimento nas crianças e jovens, e põe a nu as graves lacunas na prevenção e cuidados para esta faixa etária, tal como para os cuidadores com perturbações mentais. Segundo a UNICEF, as perturbações de saúde mental diagnosticáveis afetam cerca de 1 em cada 7 (14 %) das crianças e jovens entre os 6-18 anos de idade no mundo. Metade destas perturbações começam aos 14 anos de idade, mas a maioria, embora tratáveis, passam despercebidas e não são analisadas. Ora, os últimos dois anos e meio trouxeram-nos dois graves problemas suscetíveis de provocar ou agravar os danos neste tipo de doenças: os confinamentos da pandemia provocada pela Covid-19 e a Guerra na Ucrânia. Com a Covid-19, as crianças e os jovens viram as suas rotinas alteradas, o acesso a atividades recreativas e escolares restringido, afetando igualmente os rendimentos e a saúde das suas famílias. Com a Guerra na Ucrânia, para além das afetações dos rendimentos familiares, as crianças e jovens passaram a assistir em direto, através da televisão e redes sociais, ao terror e à morte, tal como à disseminação do medo da extrapolação da guerra para o resto do mundo, e da ameaça ou aniquilação nuclear. Os efeitos perversos destas situações nos mais novos são evidentes e podem afetar negativamente a saúde mental de toda a uma geração. Importa, por isso, que cada um de nós, famílias e a escola, Estado e Governo, IPSS e SNS, médicos especialistas e de saúde familiar, priorizem ações e políticas de prevenção e atuação urgentes, com vista a minorar os impactos destas ameaças à saúde mental dos mais novos. Enquanto é tempo! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (22/10/2022) Terminou, finalmente, o longo período das exéquias de Isabel II, a monarca de Inglaterra, Reino Unido e da Commonwelth.
Tornou-se pacífico que a rainha do segundo mais longo reinado da História foi uma mulher que esteve à altura do cargo que lhe coube por nascimento. Serviu no exército em 1945, assistiu à reconstrução da Inglaterra e da Europa, à Guerra Fria e às mudanças sociais dos anos 60, e viu o seu império esvair-se, chegando ao final da vida como chefe de uma nação com sinais de crise e declínio. Os seus sucessos talvez se expliquem tanto por circunstâncias pessoais como fortuitas, como longo e feliz casamento, a longevidade e influência da rainha-mãe, e a sua especial e curiosa forma de lidar com circunstâncias adversas, como o caso das crises familiares (da princesa Diana, do príncipe André e da irmã Margarida), ou uma desconhecida e opaca opinião sobre o Brexit. As manifestações durante as suas exéquias demonstram que os ingleses apreciavam a sua rainha e também o seu regime monárquico, imutável, atávico e garante de alguma influência no mundo, nomeadamente do ligado à Commonwelth. Porém, tenho para mim que tudo isso, e muito mais que não cabe nas balizas deste pequeno artigo, não justifica a importância que os meios de comunicação deram a todos os pormenores destes doze dias de exéquias fúnebres. Mobilizaram-se dezenas de jornalistas para Inglaterra, nomeadamente os mais reputados pivôs das televisões, e dissecou-se ao pormenor cada momento, por mais irrelevante que fosse, do que por ali estava a acontecer. É certo que o momento é raro, mas trata-se da rainha de Inglaterra, e não do chefe de Estado português, ou de alguém que mudou o mundo. Tal como não se conhecessem que especiais atos tenha praticado para o fortalecimento da mais antiga aliança diplomática do mundo, onde quase sempre ficamos mais a perder do que a ganhar. Alguém que ocupou um cargo por nascimento, e não pelos méritos e créditos que adquiriu ao longo da vida, ou por livre escolha do povo. Por isso, o excesso de acompanhamento do evento, das questões certamente relevantes às mais ridículas, mais fazia parecer que se tratava da rainha do mundo, e que todos deveríamos sentir a perda, como nossa. Como se fosse uma grande perda da nossa Civilização. Para muitos, passou certamente ao lado uma efetiva grande perda da Civilização, falecido poucos dias antes da rainha. Alguém que, em poucos anos de governação, mudou radicalmente o mundo, no modo em que o conhecíamos: Mikhail Gorbatchov. Talvez o legado que este homem deixou à Humanidade tivesse merecido pelo menos uma centésima parte da atenção dada pelos media às notícias de Balmoral e de Londres. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (28/09/2022) Há dias, o país foi confrontado com uma situação inimaginável: alguns tribunais portugueses não podiam cumprir a obrigação de fazer justiça por falta de papel. E que alguns diligentes funcionários, a fim de evitar atrasos nas diligências, traziam esse material de casa, pago dos seus bolsos.
Parece uma situação caricatural, mas ela espelha bem a caricatura a chegou o nosso Estado. A somar-se à falta de papel, o que impede, por exemplo, o cumprimento um mandato de detenção de um suspeito criminoso, existem processos – nomeadamente nos tribunais administrativos e fiscais – que esperam anos e anos por uma decisão, em casos em que nem sequer é necessário fazer-se julgamento. Apenas analisar-se as pretensões das partes, com os documentos que juntam digitalmente, e proferir-se a decisão final. Parece bizarro, mas é mesmo assim. Pelo que dizem, tudo se deve à falta de meios. Neste caso, humanos. E, como aos tribunais administrativos e fiscais vão parar casos com grande impacto na economia, significa que o Estado, por falta de meios, contribui, por ostensiva omissão, para esta entropia estrutural na vida das empresas e dos cidadãos. Porém, a notícia da falta de papel nos tribunais ocorreu ao mesmo tempo que faltavam médicos nas urgências, e em várias nas especialidades, como obstetrícia e pediatria. Mas também à falta de professores nas escolas, que levaram a que alunos não tivessem uma única aula a determinadas disciplinas, durante todo o ano letivo. E também à falta de inspetores do SEF (Serviços de Estrangeiros e Fronteiras), que criaram o caos nos aeroportos, porta da entrada da mina de ouro da economia portuguesa: o turismo. Foram coincidências a mais, em tão curto espaço de tempo. O que leva a perceber que vivemos um momento crítico de eminente falência do Estado, no que às suas funções vitais diz respeito: justiça, saúde, educação, segurança e promoção do desenvolvimento económico. E não se pode queixar o Governo de falta condições políticas para governar: tem uma maioria absoluta. E não se queixa de falta de meio financeiras: o Governo anuncia permanentemente a chegada de milhões do PRR, dos fundos europeus, para não falar dos incrementos nos impostos, nomeadamente dos indiretos, fruto do generalizado aumento dos preços. O que parece que falta é nitidamente visão, liderança, políticas diretamente viradas para os problemas, menos ideologia e mais pragmatismo, e também uma oposição forte e capaz de denunciar os problemas e apontar soluções. Porque, a continuar assim, parece que o resultado será inevitável: depois de passarmos pelo pântano (há 20 anos) e pela bancarrota (há 10 anos), segue-se a cauda Europa, para onde caminhamos a passos bem largos. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (02/07/2022) Recentemente, a Sedes – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social e o Conselho das Comunidades Portuguesas na Assembleia da República promoveram um debate sobre a reforma da lei eleitoral.
A questão mostra-se pertinente, 48 anos depois da democracia, sobretudo quando, em cada ato eleitoral, o país se questiona sobre os níveis de participação dos portugueses. Segundo as notícias, o debate andou sobretudo à volta da questão da participação dos emigrantes, nomeadamente do voto digital e do aumento do número de deputados pelos círculos da emigração. Entende-se a preocupação, sobretudo depois dos tragicómicos acontecimentos com os seus votos nas últimas eleições, da sua baixíssima taxa de participação e do modo arcaico como os portugueses que vivem no exterior podem votar. Mas a questão não pode ficar por aqui. A aproximação dos eleitos aos eleitores tem, no meu modo de ver, de passar por duas outras importantes alterações à lei eleitoral. Em primeiro lugar, as listas de deputados não podem continuar a ser apenas escolhidas por diretórios partidários, ou de acordo com os estados de alma dos presidentes dos partidos em exercício, em cada ato eleitoral. Com esta forma, a atual, a esmagadora maioria dos eleitores continua sem conhecer, nem antes, nem durante, nem depois da eleição, quem são, e com que mérito, os seus representantes na Assembleia da República. Não podem, assim, ser eles a escolher os seus candidatos, muito menos pedir-lhe contas pelo seu exercício. Importa, por isso, criar um sistema misto, mitigado, entre a eleição por listas e os círculos uninominais. Creio, pois, que a previsão de círculos uninominais pequenos, em que uma parte dos deputados é eleita diretamente pelo povo, contribuirá para uma maior envolvimento e participação dos eleitores e um maior escrutínio sobre os eleitos. A democracia ganharia. Em segundo lugar, importa acabar com os círculos distritais, definindo-se novos círculos (para as listas) de acordo com a nova organização administrativa do país. Ou seja, de acordo com as áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais. Basta olhar para o caso da nossa região, a da CIM do Tâmega e Sousa, que inclui municípios dos distritos do Porto, Braga, Viseu e Aveiro. Não é compreensível que os Presidentes das Câmaras destes municípios trabalhem diariamente nas dinâmicas de desenvolvimento concertadas da região e que os deputados não sejam eleitos para defender os interesses concretos desta região. Não se percebe que lógica ainda exista para a manutenção dos círculos distritais, quando os distritos já não servem para mais nada, que não seja para se elegerem deputados que, como se vê, não representam as novas organizações administrativas do país. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (07/05/2022) Conheço alguns cidadãos russos a viver em Portugal. São cidadãos como qualquer português, que vivem, trabalham ou estudam honradamente, procurando a sua realização pessoal e profissional no nosso país.
Gostam de Portugal e não renegam as suas origens. Mas isso não significa que aprovem o regime do seu país decidiu fazer com o povo ucraniano. Antes pelo contrário. Os que conheço repudiam, estão contra e até mesmo envergonhados com o holocausto que o presidente do seu país criou, com pretextos inconcebíveis, no estádio de evolução da nossa civilização. É certo que os russos que vivem cá têm acesso a informação diferente da que os meios de comunicação social dão na Rússia e podem exprimir-se em liberdade, sem receios de irem presos por delito de opinião. E que, na Rússia, não é assim: lá, o povo apenas vê e ouve o que a comunicação social manipulada lhes dá e está proibido de exprimir qualquer opinião contra a guerra e o massacre na Ucrânia. Por isso, na hora de julgarmos os russos, temos de saber relativizar. Nem todos são iguais, nem todos estão livres para exprimir opinião, nem todos têm acesso a informação que lhe permita sequer formar opinião. Isto para dizer que não se deve confundir o trigo com o joio. Só porque são russos, não devemos olhar com desconfiança aqueles que vivem em Portugal. Mormente os que estão contra o desatino do seu presidente. Antes pelo contrário, devemos ouvi-los, apoiá-los e respeitá-los como seres humanos. Afinal, os que escolheram o nosso país para viver, estudar e trabalhar segundo as nossas regras e leis, contribuem, como qualquer português, para o desenvolvimento do nosso país que, como sabemos, está em queda demográfica. Por outro lado, e do mesmo modo, não se pode banir – como se viu em alguns países – o acesso aos criadores e artistas russos já desparecidos, que deixaram importante legado para a Humanidade. Dostoiévsky, Tolstoi, Tchaikovsky e outros vultos, não têm culpa nenhuma que, entre os russos que lhe sucederam, tenha nascido um homem inqualificável. “Os Irmãos Karamazov”, “Guerra e Paz” ou “O Lago dos Cisnes” são património imaterial de todos nós que, só por terem sido criados por russos de outros tempos, não devem ser excluídos da fruição de quem os aprecie. Sob pena de nos tornarmos tão fanáticos e insanos como Putin. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (09/04/2022) A leste da Europa, os ucranianos lutam pela sua terra e pelo seu país. Alguns que vivem fora do país regressam a casa para essa luta. A questão é que as razões que levaram Putin a invadir a Ucrânia e, a seguir, sabe-se lá que outros países, são totalmente inaceitáveis no século XXI, no quadro civilizacional em que, a Ocidente, entendemos estar.
Por isso, a defesa heroica dos ucranianos não é só pela sua terra e pelo seu país. É muito mais do que isso. Tenho para mim que os ucranianos são a tropa de choque, a linha da frente, que luta por eles… mas igualmente por todos nós. Lutam e morrem também pela Europa Ocidental, pelos nossos valores, pelo nosso estilo de vida, pelas nossas conquistas civilizacionais, por tudo isto que é, afinal, o queremos legar aos nossos filhos, às próximas gerações. E que tanto nos custou a conquistar. É claro que não são todos os russos que defendem o seu tirano, por isso não se pode estigmatizar toda a sua população, sobretudo os que vivem em Portugal, que dele fugiram ou que estão contra as suas hediondas decisões. Por tudo isso, não posso deixar de me confessar perplexo por saber que existem ainda setores da sociedade portuguesa que estão a favor desta invasão, e da guerra, insensíveis ao massacre de populações inocentes e à tirania, tudo a coberto de uma capa gasta de luta pela liberdade. Porque, afinal, o mundo ideal que representam é o concebido pela mente de Putin e pelo Kremlin, que lhe obedece acriticamente. Não são verdadeiras as liberdades que nos libertem de uma tirania de direita e nos entreguem a uma tirania de esquerda, ou que nos libertem de uma tirania de esquerda para nos entregar a uma tirania de direita. Ou que nos deixem sujeitas aos caprichos de mentes egocêntricas e malformadas. Esta é uma lição sobre a qual os portugueses, mas sobretudo as novas gerações que procuram o seu posicionamento político, e por vezes se deixam iludir por certos encantos retóricos dos radicalismos dos extremos políticos, devem refletir profundamente. Hoje, os ucranianos defendem com o seu sangue valores comuns aos nossos, mas amanhã não saberemos quem mais o terá de fazer, se não tivermos uma sociedade convicta e bem formada sobre o que são os valores da democracia, da paz e da liberdade. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (12/03/2021) No lufa dos nossos dias, já a vermos o vírus do nosso descontentamento pelas costas, vamos desfrutando de uns amenos mas intermináveis dias e sol, em pleno inverno. Podemos desfrutar das esplanadas, ao mesmo tempo que assistimos a inimagináveis colunas de fogo e de fumo, na floresta. Nem sempre o sol é bem-vindo, sobretudo quando em causa está o nosso futuro coletivo.
A emergência hídrica – a par da emergência energética e da demográfica – esteve suspensa do debate nacional até se encerrar o capítulo eleitoral, no passado dia 30 de janeiro. A partir daí, à falta de outras notícias, a questão passou a ocupar o espaço mediático nas televisões nacionais, com sucessivas reportagens sobre os efeitos da seca na vida humana, na agricultura e nos ecossistemas do país. Estranhamente, com o sol baixo do inverno a ferir diariamente os olhos dos políticos durante a campanha, houve tempo para se falar dos fofinhos animais domésticos, mas pouco ou nenhum para sabermos mais sobre novas e urgentes políticas para combater esta grave questão ambiental. Ora, a escassez de água no mundo parece paradoxal, uma que vez que todos aprendemos que a maior parte do planeta – 75% – é constituída de água. Porém, mais de 97% dessa água não pode ser consumida e nem utilizada no nosso quotidiano porque é salgada. Da água doce que sobra, grande parte está congelada e outra no subsolo. Apenas 1% deverá existir nos reservatórios e nas redes de distribuição. Mas pouco resta para consumo próprio, uma vez que vai para a produção agrícola e industrial. Para não falar da que acaba por ser contaminada no subsolo. E, em Portugal, poucos ainda se preocupam a sério com esta temática. Sobretudo a classe política, a quem se exige análise crítica e profunda sobre o assunto, debate sério e medidas de curto, médio e longo prazo. Claro está que o tema entronca no problema do aquecimento global e nos caprichos de uma natureza zangada pelos sucessivos comportamentos humanos. Mas isso não perdoa nem desculpa que, em vez de jogos florais e de retórica política, os nossos responsáveis não assumam como urgência nacional a formação de políticas focadas e preocupadas com a emergência hídrica (concertada com a energética e demográfica). É das questões que verdadeiramente importam. E com uma nova maioria qualificada em Portugal, não se aceitam adiamentos ou assobios para o ar. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (12/02/2022) Quando começa um novo ano, todos fazemos votos de que seja melhor do que ao anterior. Normalmente, existem dados já conhecidos que nos permitem guiar esses desejos e expectativas.
Porém, este 2022 começa com o misto de incertezas por todos os lados, que não nos dão uma bússola segura para nos guiar no desconhecido. Ao nível global, duas incógnitas ainda sem norte à vista: a primeira, de curto prazo, é a absoluta imprevisão dos efeitos da pandemia. De um dia para o outro, a certeza de ontem já não é a de hoje, muito menos a de amanhã. Ficamos à deriva com as novas variantes, sem perceber até onde as vacinas nos imunizam (embora ainda protejam na severidade da doença) e quando tudo isto acabará. Por outro lado, assistimos a um imparável crescimento do da temperatura no planeta, tendo a OMM anunciado que os últimos 7 anos foram os 7 anos mais quentes da história. Enquanto isso, os governos mais poderosos assobiam para o lado e continuam focados em como dominar os outros e prepararem-se para guerras (crise da Ucrânia, de Taiwan, etc.) Ao nível nacional, mergulhamos num enorme ponto de interrogação sobre o futuro político do país. Em 47 anos de democracia, foi a segunda vez que um Orçamento de Estado chumbou no Parlamento, mas a primeira em que a rejeição provocou a dissolução da Assembleia da República. E, tirando o facto de vivermos em duodécimos, ninguém está em condições de assegurar o que irá acontecer a partir de 30 de janeiro: um governo maioritário, governo minoritário com apoios à esquerda, à direita ou ao centro, um governo minoritário sem esses apoios, ou uma iminente nova crise política por falta de entendimentos. Na economia, o ambiente é igualmente perplexo: por um lado, faz-se fé no crescimento económico para os níveis pré-pandemia ou superiores, por outro, a um assustador crescimento do preço das matérias-primas, dos combustíveis, do nível e vida em geral e dos produtos de primeira necessidade, cujo crescimento económico e salarial médio não acompanha. Diz quem sabe, que a casos com este segue-se uma nova crise, de feitos imprevisíveis e que, assim sendo, ela aparecerá em 2024. Enquanto cidadãos, resta-nos, porém, fazer o que está ao nosso alcance: nas escolhas políticas que fazemos, no estilo de vida que levamos, nos cuidados sanitários que adotamos, nos investimentos que fazemos e na voz que nunca poderemos cansar de erguer em favor de uma sociedade política, económica, climática e sanitariamente mais forte e mais justa. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (15/01/2022) |
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