A 40.ª Conferência Geral da Unesco, em novembro de 2019, institui algo que poucos conhecem: o Dia Mundial da Língua Portuguesa. Passou a comemorar-se a 5 de maio.
E vale a pena recordar que a nossa língua é a quarta mais falada no mundo, com cerca de 260 milhões de falantes. É idioma oficial de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. E também uma das línguas oficiais de Macau e Guiné Equatorial. Existem importantes comunidades falantes do português na América do Norte e outras partes do mundo, estimando as Nações Unidas que, em 2050, 387 milhões de pessoas falem português. É ainda de referir que, embora na Europa apenas cerca de 3% da população fala a nossa língua, o português é, por outro lado, a 3.ª língua oficial da UE mais falada no mundo. Por isso, nunca é demais acentuar a sua importância, mas sobretudo recordar o seu berço. O português é uma língua que deriva do romanço galaico-português, que nasceu neste Norte, entre o Douro e o Minho. Falavam-no o povo do Portugal primordial, mas igualmente os senhores que, na zona do Vale do Sousa e adjacentes, ajudaram Afonso Henriques a ser rei e a tornar o território independente. Nessa época, esse idioma, ainda arcaico, acompanhou os senhores, guerreiros e povoadores deste rincão nortenho, na denominada “Reconquista”, que o levaram até aos confins do Algarve. E mais tarde, através dos “Descobrimentos”, transportaram-no, já mais evoluído, em naus e caravelas, até ao resto do mundo, onde hoje floresce e é o instrumento de comunicação de tantos milhões de pessoas. Recordar que a nossa terra integrou o pequeno berço da língua portuguesa é algo que nos deve orgulhar e mobilizar, para que saibamos usá-la como instrumento de interpretação do mundo que nos rodeia, de desenvolvimento do senso crítico, da criatividade, dos negócios, enfim, da nossa auto estima individual e coletiva. Com esse sentido de pertença, Penafiel homenageia-a todos os anos, na Escritaria. A cada um de nós, cabe-nos homenageá-la todos os dias. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (05/07/2021) Há dias, cruzei-me com uma entrevista de Nicholas Carr, um dos autores mais críticos sobre o efeito da Internet na nossa mente, que afirmava ao El País que, quando nos ligamos à rede «trocamos profundidade por amplitude, contemplação por estímulo», criando desequilíbrios e vieses nas informações que processamos, com repercussões individuais e coletivas significativas.
Ao mesmo tempo, começam a ouvir-se, cada vez mais, as vozes dos chamados renegados de Silicon Valley, como Jaron Larnier – que foi guru da realidade virtual e assessor da Google e Microsoft -, a afirmar que o Facebook foi pensado «para promover o seu conteúdo, conduzir os utilizadores à sua informação e garantir que eles passem o máximo de tempo possível na plataforma. Esse é o seu modelo de negócios: vender a atenção dos utilizadores e os seus dados para empresas de publicidade e de propaganda. O Facebook é uma máquina de manipulação. E o Twitter, WhatsApp, Instagram ou YouTube funcionam com o mesmo princípio». Ou do jovem filósofo Tristan Harris, que assevera que «Eles sequestraram as nossas mentes. As nossas decisões não são livres, são marcadas pelos seus interesses, que não são os nossos. Eles impõem a forma como interagimos, condicionam a nossa capacidade de conversar e colocam em risco a democracia… Quem? Os engenheiros do Google, Facebook e Apple». Ou seja, cada vez mais as redes sociais privilegiam a quantidade e velocidade de «transmissão» em detrimento da qualidade, aproveitando os princípios da eficiência do cérebro. O modo como navegamos na web incentiva o pensamento superficial e não estimula o pensamento conceitual. Promove a emoção instantânea sobre a razão, o pensamento do grupo sobre a reflexão pessoal. Porém, não é disso que o nosso cérebro necessita para transformar em conhecimento, estimulando o pensamento crítico e profundo. O receio de muitos é que a humanidade esteja crescentemente ao serviço dos gigantes da tecnologia, em vez de termos a tecnologia ao serviço da humanidade. O que alimenta notícias falsas, desinformação barata, manipulação subtil e falta de privacidade. E disto urge tomar urgente consciência: os mais jovens, mais vulneráveis, porque ainda não terminaram de desenvolver seu pensamento crítico e as ferramentas lógicas para discernir; e os adultos, para que usem as tecnologias ao serviço da construção do conhecimento e reduzam o risco de manipulação. Antes que seja tarde de mais! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (07/06/2021) A celebração da democracia conquistada em Portugal, há 47 anos, não pode passar de um ato reconduzido à distância de discursos dos nossos representantes.
Neste momento, cerca de metade da nossa população nasceu depois do 25 de abril de 1974. Ou seja, a partir de agora, cada vez menos portugueses terão memória direta do antes e do depois. A esta razão somam-se duas outras de capital importância para lembrarmos vincarmos a importância do acontecimento e de sabermos explicá-la a quem nasceu fora do jugo da ditadura. A primeira, é o facto de vivermos no meio de uma pandemia, durante a qual foram decretados vários estados de emergência e, consequentemente, várias restrições à nossa liberdade. Sobretudo à liberdade de movimentos e de reunião física. Foi por um bem maior, mas basta imaginar que assim haveríamos de viver anos a fio, por imposição de um líder autoritário, e que a isso se somava a privação da liberdade de opinião e um atraso estrutural do país relativamente ao mundo ocidental, para ficarmos já com uma ideia. A segunda relaciona-se com as modernas tentações dos extremismos. Até 1974, depois de um tempo ditatorial e nacionalista exacerbado, Portugal viveu mais ou menos imune a esse mal, com as franjas mais radicais e demagógicas, à esquerda e à direita, pouco expressivas. Porém, começa a não ser assim. Cada vez mais gente que não viveu o antes do 25 de abril, ou, que se o viveu, gostaria de restaurar algo parecido com essa época, aceita, consciente ou inconscientemente, enveredar por esses caminhos. É certo que a democracia, a nossa democracia, tal como qualquer construção humana, não é um regime perfeito. E que ainda deixa gente excluída, frustrada e não realizada enquanto pessoa humana. Mas como disse um dia Churchill, ainda não se inventou melhor sistema. Assim, ao contrário do que alguns defendem, a hora não é de criarmos novos regimes que rompem o legado desse Abril construído pelos mais sensatos pais da pátria, mas de aprofundarmos e melhorarmos a nossa democracia, que é um património nacional e coletivo de raro valor para todos nós. Basta olhar para os países onde isso não acontece. Um espaço onde – como disse há dias Marcelo Rebelo de Sousa no provavelmente melhor e mais aglutinador discurso de sempre – caibam todos os portugueses, onde se concilie a memória coletiva intergeracional e combata os sectarismos e a tribalização crescente na sociedade portuguesa e nas democracias ocidentais. Por tudo isto, e porque, apesar das suas imperfeições, é o único regime que tem legitimidade e cujos governos não podem inspirar medo nos governados. Porque estão sujeito às leis e é baseado nos direitos dos cidadãos, nomeadamente nas suas liberdades civis. Esse é o milagre da legitimidade democrática, que nunca convém perder de vista. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (07/05/2021) Há dias, passou-me pelo rodapé de um momento de leitura a seguinte frase de Erich Fromm, um filósofo e psicanalista do século passado: “O perigo do passado era que os homens se tornassem escravos. O perigo do futuro é que os homens se tornem autómatos”.
Vem isto a propósito dos tempos em que vivemos. Entre um passado nem sempre auspicioso, mas do qual, de repente, sentimos nostalgia, um presente titubeante e um futuro incógnito. Vivemos por isso, num entretanto. Esse parêntesis da nossa História coletiva deve fazer-nos parar para pensar. Afinal, quantos lutaram, quantos morreram e sofreram, se tornaram mártires ao longo de séculos para alcançarmos o bem maior da condição humana: a liberdade! Para fugirmos desse perigo que mais temiam os homens do passado: a escravidão. Fosse ela física, intelectual ou simplesmente da escravidão provocada pela miséria, pela pobreza ou pela falta de acesso à saúde. Mas o futuro que nos espera não deixa de configurar a dita incógnita. Por vezes, inquietante. No caldeirão em que a Humanidade ferve em lume brando, aquecem os novos extremismos, modelam-se as mentes pela leve espuma das redes sociais, tolhe-nos o medo provocado por um parasita invisível. É um tempo novo da nossa Civilização, mas que, por incrível paradoxo, afinal já o vivemos. Quantas vezes o homem teve se enfrentar fanatismos? Quantas vezes teve de lutar contra os manipuladores das mentes dos mais simples? E quantas outras vezes foi o Homem tolhido pelas forças invisíveis e imprevisíveis da Natureza, ou das epidemias que ceifaram legiões de seres humanos, ou teve morrer pela liberdade?! Afinal, embora mais sofisticado e com maior esperança de vida, não é tão novo assim o que tempo vivemos e o que temos pela frente. O avançar da Civilização surge, deste modo, como uma espécie de espiral em cuja ascensão, no tempo que não pára, os seus círculos nunca se tocam, mas cumprem o mesmo e eterno fado de repetirem os mesmos avanços e fracassos, na busca de uma inalcançável perfeição, felicidade e respeitada convivência. Por isso, aquelas ditaduras não são novas. Ora, se a preocupação de Erich Fromm era que o perigo do futuro fosse que os homens se tornassem autómatos, em vez de escravos, eu pergunto: um autómato não é, afinal, um escravo? O desafio do novo tempo é o de não sermos nem escravos nem autómatos, mas sim o de prosseguirmos como lutadores pela liberdade: contra o medo, a manipulação, a miséria, a segregação, a desesperança. Por isso, neste entretanto que a vida nos concede, em que um ser invisível nos forçou a parar, saibamos todos refletir sobre que futuro queremos para não sermos nem escravos nem autómatos. Antes que seja tarde… Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (11/04/2021) A pandemia acabará e o mundo não. Esta é, pois, boa hora para refletir sobre o nosso futuro coletivo. Há duas questões que nos ecoam:
Em que mundo vamos desembarcar, quando tudo isto passar? Que aprendizagens esta crise deixará? O vírus que abalou o planeta, colocou-o em quarentena, recuou o futuro, adiou planos, compromissos e projetos. Enfrentamos uma das maiores crises da História recente da Humanidade: milhares de vítimas, colapso em inúmeros sistemas de saúde, legiões de desempregados, fronteiras fechadas, crianças sem aulas, trabalho remoto, economia em agonia e indústrias paradas. Neste “novo anormal”, a pandemia remodelou o modo como nos relacionamos com o mundo, com os outros e com nós mesmos. Até mesmo com o nosso corpo. Sim, subitamente, o nosso corpo tornou-se numa ameaça para nós próprios e para os outros. O poder de matar está ao virar da esquina e a arma para combatê-lo é sairmos de cena, isolarmo-nos, mascararmo-nos, afastarmo-nos uns dos outros. De repente, não sabemos como será o amanhã. Felizmente, é de esperança a primeira lição: a ciência esteve à altura dos acontecimentos. Rapidamente, encontrou várias vacinas, e não tardará a encontrar remédios para a doença. Hoje, o problema é como chegará a vacina rapidamente a todos. Mas existem outras cujas respostas ainda desconhecemos, e que integrarão os grandes desafios da nova Humanidade. Abriremos espaço para uma tecnologia mais emocional? A educação vai finalmente reinventar-se? Quais serão as novas habilidades e estratégias das lideranças políticas, empresariais e sociais? Como a análise de metadados pode ajudar o bem da Humanidade? Seremos mais ou menos cautelosos no contacto interpessoal? Vamos adotar de vez a digitalização no trabalho? Saberemos regenerar nossa relação com a natureza? Aprenderemos a combater com eficácia e determinação as causas das alterações climáticas? Os velhos problemas ganharão outras gravidades, com o acentuar das velhas pandemias sociais, como as fake news, a manipulação da informação e dos recursos naturais, dos mais fortes pelos mais fracos, a consolidação de uma certa planura intelectual modelada pelas redes sociais, os radicalismos políticos e religiosos, a manipulação das mentes e decisões através dos algoritmos, os egoísmos atrás de novas fronteiras, os mau usos da genética, da robótica e da inteligência artificial? Na resposta a estas questões estará a linha de salvação ou desgraça da Humanidade. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (15/03/2021) Poderá haver um ladrão de memórias? Descobri que sim, como procurarei demonstrar.
Marguerite Yourcenar disse um dia: Quando se gosta da vida, gosta-se do passado, porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória humana. É certo que não podemos viver permanentemente na sombra do passado, mas, sendo o passado – através da memória – tudo o que sobra do nosso presente, podemos concluir que, afinal, somos seres abençoados. Abençoados por termos o dom da recordação do tempo que nos proporcionou ter lastro de vida. E quanto maior o lastro, quantas mais recordações e memórias temos gravadas, mais tempo parece que vivemos. Ou seja, o nosso tempo de vida não se mede tanto pelo número de dias, meses ou anos que o registo civil ou a medicina atestam que o nosso corpo viveu, mas mais pelo tempo medido em registo das memórias da nossa existência. Boas ou más, mas memórias que fazem perceber que o curso da vida foi ou mais, ou menos, longo e duradouro. Vem isto a propósito da época em que vivemos. A pandemia e o confinamento não restringem apenas a nossa liberdade física. Roubam-nos também o ouro mais valioso da existência: as nossas memórias, o tempo de vida recordante. Quando olho para o último ano, sou varrido por uma inquietante sensação de desaparecimento de memórias das experiências que rompem o quotidiano. Sobra o ramberrambe de um dia igual ao outro. Ora confinado, ora conveniente distante dos demais, ora mascarado. Pilhado das emoções das viagens, da descoberta, dos amigos, do convívio, do cinema, do espetáculo, da liberdade de estar. De um simples e tão humano abraço. E pior: de ver o sorriso dos outros. Afinal, antes éramos felizes, e não o sabíamos! Por isso, o último ano passou tão rápido que nem dei por ele. Porque não está impresso no meu registo de vida com memórias, de recordações, de passado vívido. Foram praticamente dias que se seguiram uns aos outros, quando, de repente, descubro que já nos encontramos no mesmo mês do ano em que soubemos que um estranho vírus chegava a Portugal. Quando não existem memórias, a liberdade é apenas um vislumbre, uma ilusão. Não falo da liberdade física, limitada por confinamentos restrições e distâncias, em nome da saúde física. Mas da liberdade de usufruirmos da condição de seres plenos, inteiros. Seres que se realizam na felicidade de uma viagem, de um abraço, de um beijo, de um sorriso, do salutar convívio familiar e social que nos faz humanos, e nos faz tão bem. Tudo isto este vírus nos roubou. Esse ladrão de memórias! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (12/02/2021) Vivemos um novo confinamento. Hoje, todos os políticos dizem que era uma inevitabilidade. E, ao que parece, a culpa foi do Natal e do Inverno.
Entretanto, ocorrerá o ato eleitoral para escolher o PR. E agora: aqui d’el rei, como levar as pessoas às urnas, quando o medo e os números da pandemia nos paralisam os movimentos? É estranho que só nas vésperas do ato eleitoral, o assunto do seu adiamento se tenha colocado. Ou seja, sabendo todos – Governo, PR, DGS, especialistas – que esta era uma realidade altamente provável, porque ninguém preparou este cenário: adiar as eleições ou permitir que um maior número de eleitores pudesse votar? Era uma excelente oportunidade para se modernizar o modo arcaico como ainda se vota, quando já se conhecem meios mais capazes. E porque não se aproveitou parapermitir o voto por correspondência, como aconteceu nos EUA? Pelo menos, deste modo, melhor se cumpriria a democracia. E era o adequado para os 1,4 milhões emigrantes que não poderão votar por correspondência, apesar dos insistentes apelos dos seus representantes. Mas ninguém colocou atempadamente a questão? Não é bem assim. Houve alguém que, a 8 de setembro de 2020, colocou o dedo na ferida. Quem? Vitorino Silva. Basta consultar as notícias desse dia na Internet. Todos sabem que somos adversários políticos, mas amigos há muito tempo. Ambas as circunstâncias não me impedem de reconhecer a sua acutilante intuição. Pode não ter os conhecimentos e habilidades para ser PR, mas, no seu modo simples e original, pôs o dedo na ferida no momento certo, e nunca foi levado a sério. Não era preciso ser especialista, mas apenas ter a experiência da vida, para se perceber que, a seguir ao Natal, em pleno Inverno, sem vacinas em massa, o risco de vivermos um pico pandémico em janeiro era muito provável. Havia tempo para se modernizar o modo de votação, através do voto por correspondência, do voto por meios eletrónicos, ou o adiamento das eleições, mesmo que para isso fosse necessário rever a legislação. Será por isso lamentável que o PR seja eleito com elevada abstenção, e que o ato eleitoral seja mais um foco de contaminação. Pior: é lamentável que a pandemia não tenha acordado os políticos para essa evidência. E que não os tenha levado a modernizar o sistema de votação. Afinal, se há tanto consenso para um novo confinamento, porque não o houve para se mudar a lei e atender a estas situações? É que, como sempre aprendi, é nas crises e dificuldades que se geram as grandes oportunidades de evolução. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (16/01/2021) Passaram 19 anos. Muito tempo desde o dia em que acordei sem saber que destino me cabia e adormeci mergulhado numa espiral de emoções.
Tinha pouco mais de 30 anos sulcados nas ruas da minha aldeia de Paço de Sousa, com as primeiras memórias a brincar com a infância descalça e a bola nas ruas estreitas de Cadeade, ainda sem luz, presas no encantamento das sementeiras, no crescimento e colheita dos frutos da terra, nas vindimas e desfolhadas, nos banhos da praia dos tesos, nos primeiros amigos, na primária de São Lourenço e no Seminário dos Carmelitas Descalços. E, de repente, o curso na Católica, novos amigos, a entusiasmante advocacia e um desafio tão súbito como surpreendente: abandonar a profissão e candidatar-me à presidência da Câmara Municipal de Penafiel! Ora, escrevo este texto à mesma hora em que, há 19 anos, neste mesmo dia, se conheciam, aos poucos, os resultados das eleições autárquicas. É difícil recordar e rememorar todas as emoções que se misturaram num momento como aquele. Mas a vida cheia é a que se faz por ciclos, a de sabermos interpretar o papel a que somos chamados, quer no nosso crescimento interior enquanto seres humanos, quer a nossa relação com a comunidade. E também ter consciência de que todos os ciclos têm, inexoravelmente, um fim. E que, afinal, é o fim que conta. Aquele em que podemos olharmo-nos ao espelho e dizermo-nos, olhos nos olhos, que valeu a pena, e que estamos prontos para reiniciar outro ciclo. Mas também aquele que, sem receios ou remorsos, poderemos olhar os olhos dos outros, daqueles a quem servimos, e descobrirmos o reconforto de saber que saímos em paz, com a sensação da missão cumprida. Mesmo que não tivéssemos feito tudo certo, mesmo que não tivéssemos tomado sempre as melhores decisões. Mas pacificados por sabermos que, no tempo que a comunidade nos outorgou o poder de tomar as decisões para melhorar a sua qualidade de vida, sempre nos norteamos pela noção e convicção que nos entregávamos de corpo e alma a essa missão. Mas há outras coisas importantes que aprendi na missão pública: sozinhos, valemos pouco. Somos, sim, mais fortes quando encontramos equipas leais, coesas, fortes e competentes. Colaboradores que, sem olhar às cores partidárias de quem governa, cumprem com zelo e dedicação a sua missão. E um povo que se mobiliza para as causas da comunidade. As grandes e as pequenas. Mas as causas que são de todos, independente de terem votado no partido A ou B. E aprendi que há amigos que, em qualquer caso, ficam para a vida. E outros nem por isso, mas que, ainda assim, a vida continua. E que a união, mesmo na diversidade de opiniões, é uma muralha difícil de derrubar. Mas, como disse, que o dia mais importante da missão pública, não é o dia em que nela se entra – onde não faltam palmas e muitos amigos -, mas sim o dia em que se sai. Esse é que é dia de todas as verdades! Por isso, hoje, dia 16 de dezembro de 2020, 19 anos depois desse momento primordial da minha vida e do projeto que se iniciou em Penafiel (Penafiel Quer) e já com 7 anos de distanciamento depois de terminar esse ciclo pessoal, e do relançamento do projeto com o meu bom amigo Antonino de Sousa, agradeço e presto homenagem a todos os que ajudaram nessa pioneira caminhada, aos muitos que contribuíram para consolidá-la e a fazê-la crescer, aos adversários que a tornaram mais exigente e honrada, aos que exerceram o direito de crítica leal e intelectualmente honesta, aos que não concordaram e divergiram das minha opiniões. E aos amigos que ficaram para sempre. Com todos eles aprendi que a vida é tão complexa como fácil. Depende do modo como a conduzimos, em cada momento. Mas, sobretudo, como encerramos cada ciclo da nossa vida. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (28/12/2020) Os tempos em que vivemos são inesperados e complexos.
Andávamos todos, uns mais outros menos, a discutir relevantes questões para o futuro da Humanidade – alterações climáticas, emergências de poderes autoritários de natureza populista e extremista de direita e de esquerda, guerras e fundamentalismos religiosos às portas e dentro da própria Europa (que não podem sair da agenda) –, e somos surpreendidos por um inimigo coletivo invisível. Um inimigo que não olha a ideologias moderadas ou extremistas, a regiões e religiões, a gente preocupada ou negacionista (cresce mais, aliás, entre regimes e populações negacionistas). A Humanidade espera, assim, que se supere a si própria e que consiga encontrar, em tempo recorde, uma vacina e outros antídotos que sirvam de panaceia para o medo e efeitos dramáticos que a pandemia provoca nas populações, sobretudo mais desfavorecidas e vulneráveis física e financeiramente. Para além do acerto ou desacerto das decisões que os responsáveis políticos de cada nação – quase sempre e sem exceção procurando encontrar uma oportunidade na desgraça para se aumentarem a popularidade à custa do medo e do desconhecido, e nem sempre olhando com acerto para as indicações da boa ciência -, esta é a sobretudo a hora dos cidadãos. De cada um de nós. O sucesso desta guerra depende de cada um de nós. É um cliché, mas atentos os números que vemos, há que repeti-lo. Perante a situação calamitosa em que vivemos, há das questões essenciais: saúde física e psicológica e economia. E, nisso, há muito que depende de cada uma de nós. Os comportamentos adequados de distância social etiqueta respiratória são de todos conhecidos. Não há mais razões para nãos os adotarmos. Mas o foco principal da minha reflexão pretende sublinhar os outrosdois pontos. O primeiro na saúde mental: sem possibilidade de presença física, de abraços, beijos, mimos e convívios de tanto apreciamos, esta é a hora de reforçarmos os laços afetivos, no modo que pudermos. A força da palavra é imensamente poderosa. Ligar aos amigos e familiares, sobretudo aos que não podemos ver e estar ou que estão infetados ou contaminados, e dizermos-lhes que os estimamos, que os amamos, que desejamos as melhoras rápidas, que nos preocupamos com eles, terá certamente um efeito potente no seu ânimo e coração. Em segundo lugar, a parte económica, com efeitos igualmente devastadores. E nisso, também podemos ajudar. Todos continuamos a precisar de consumir: alimentos, roupa e outros bens de primeira e outras necessidades. Muitas vezes não olhamos para a origem dos produtos, deixamo-nos levar pelo impulso. Chegou a hora de deitarmos essa atenção. Comprarmos o que é da nossa região, ou do nosso país, é um ato patriótico que o país precisa, neste momento. Se pudermos comprar os legumes dos nossos vizinhos, ou as bananas da Madeira, porque comprar o que vem de longe? Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (20/11/2020) |
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