Um dia, o famoso imperador romano Marco Aurélio disse que “A maior vingança contra um inimigo ou adversário é ser diferente dele”.
Marco Aurélio governou o império romano há cerca de 1850 anos e distinguiu-se pela sua sabedoria. O seu pai morreu quando tinha três anos, pelo que criado pela avó paterna. Era sobrinho do grande imperador Adriano, que adotou Antonino Pio, tio de Marco Aurélio, como novo herdeiro do trono, em 138. Antonino, por sua vez, adotou Marco Aurélio. Assim, quando o imperador Antonino Pio morreu, em 161, Marco Aurélio ascendeu ao trono. Durante o seu reinado de cerca de 20 anos, Marco Aurélio teve de lidar com vários confl itos militares e ainda com uma epidemia, a chamada peste antonina, que devastou a população do império e causou a morte de vários milhões de pessoas. Na governação, distinguiu-se pela sabedoria na delegação dos seus poderes em auxiliares competentes, pelo reconhecimento do mérito alheio, pela defesa da disciplina e pela administração das várias províncias do império de modo justo, equitativo e eficiente. Procurou decidir com equilíbrio nas petições do povo contra os mais fortes. Assim, à energia e defesa dos seus princípios, Marco Aurélio aliava a generosidade, a humanidade e a compreensão. As suas Meditações são reconhecidas como um monumento literário a um governo de serviço e dever. Por isso, adquiriu a reputação de rei-filósofo ainda em vida, e o título permaneceu até hoje. Marco Aurélio é, provavelmente, dos imperadores romanos mais estudados e admirados. Por isso, ditos como “O que fazemos agora ecoa na eternidade”, ou “A alma é tingida com a cor de seus pensamentos”, são certeiras setas dirigidas à nossa consciência, com uma atualidade que nunca se perde. Mas aquele pelo qual sempre nutri especial atenção foi o que abre este texto: “A maior vingança contra um adversário é ser diferente dele”. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (23/10/2023) Estamos à porta do outono. E o outono é o mês da Escritaria, em Penafiel.
Antes de se tornar público aquele será o próximo autor homenageado de 2023, importa deitar ainda um olhar à última edição. Porque uma Escritaria nunca é igual à outra. Independentemente das razões. A do ano de 2022 foi duplamente surpreendente. Primeiro, a surpresa de perdermos a autora, nas vésperas da homenagem. Depois, a surpresa de que afinal ela esteve lá. E que a sua alma criativa transbordou naqueles idos de outubro. E nos tocou, enterneceu e estremeceu. Foi uma festa certamente diferente, mas que a memória não deixa apagar. Entre a efemeridade de abraços, palavras, sorrisos, acordes musicais, gaifonas teatrais ou fotogramas cinematográficos, permaneceram as emoções vívidas nos corações dos que viveram aqueles dias. Sempre iluminadas pela estrela tutelar que brilhava no luar do firmamento, a nossa querida Ana Luísa Amaral. Essa estrela que nos derramou as vozes nascidas do seu lume, a sua inspiração, tão fértil imaginação, e que para a eternidade soltou sobre o tempo. Tanto que a cidade ficou lapidada com a frase que nos alumiou e fechou o seu Escuro: Mas sempre deste tempo é o lume que as prende, a estas vozes, e ao prendê-las as solta sobre o tempo. E assim se alçou mais um pedaço da História que se acrescenta em cada outono, em Penafiel. Ana Luísa Amaral foi, mas esteve presente. Esteve presente, e ficou para sempre. Essa perduração é agora talvez o seu mais belo poema. Um poema que pode agora ser lido nesta sua e nossa terra, Penafiel. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (24/09/2023) Há dias, um amigo enviou-me uma citação de John C. Maxwell, que dizia “O caráter torna a confiança possível, e confiança é a base da liderança.”
Na ocasião, entre muitos afazeres, não me detive muito na profundidade deste pensamento. Quando hoje me deparei novamente com ele, compreendi a sua força. As três linhas mestras são, assim: o caráter, a confiança e a liderança. As duas primeiras somadas conduzem necessariamente à terceira. O caráter é a estrutura axial da personalidade de um líder. Aquele pilar que, nunca sendo derrubado, gera a confiança em alguém. Por isso, alguém me dizia que, entre estratégias e o caráter, se deve sempre escolher o caráter. Porque o caráter e a credibilidade sempre andam de mãos dadas. Quanto à confiança, ela é a base mais sólida da liderança. Porque ninguém aprecia relacionar-se com quem não se pode confiar. E a confiança funciona sempre como um aforro. Cada má decisão que um líder toma faz baixar as suas reservas de confiança. Até que, se assim prosseguir, haverá o dia em que será descartado como líder. É certo que, como humanos que são, todos os líderes cometem erros. Por isso, a forma de evitar que o depósito da confiança se esvazie, é aceitá-los enquanto é tempo, e corrigi-los. E, assim, recuperar a credibilidade. Por isso, a liderança é o resultado da confiança, que só pode ser adquirida pelo caráter. Sem isso, não há lideres. Ou então, se os houver e eles esquecerem estas premissas, estarão condenados a, mais tarde ou mais cedo, deixarem de o ser. E o caráter vê-se sobretudo nos pormenores: respeitar o pensamento dos outros; nunca por nunca castigar pessoas por delitos de opinião; reconhecer que o relacionamento entre pessoas não é maniqueísta, ou seja, não se divide entre os bons e os maus; e que há sempre mais vida para além das circunstâncias concretas que num determinado momento se vivem. Mas, principalmente, perceber-se que o caráter fica à vista de todos em dois momentos: quando, como dizia Churchill, damos o poder a alguém, e quando uma refrega acaba. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (26/08/2023) Há dias tomei uma decisão que não estava nas minhas cogitações, até há algum tempo: candidatar-me de novo a um cargo político, no meu partido, na minha terra, Penafiel.
Na verdade, mesmo que a alguns pareça estranho, a maior parte da minha vida foi feita na vida privada, e assim segue, como advogado. Sem depender da política, dos cargos ou de clientes públicos. Só somos livres quando podemos fazer as nossas escolhas de modo descomprometido, independente, sem nos submetermos a nada nem a ninguém. Apenas à nossa consciência. Por isso, aceitei este novo desafio, com essa plena consciência. A de ser livre para escolher estar ou não estar. E decidi estar. Porque como um dia escreveu William James, Quando alguém precisa de tomar uma decisão e não a toma, está a tomar a decisão de não fazer nada. E eu não quis optar por não fazer nada face à encruzilhada em que vive o PSD e a Coligação Penafiel Quer, com o fecho do ciclo autárquico em 2025, quando o atual Presidente da Câmara já não poderá recandidatar-se. A minha decisão foi assim tomada em consciência, depois de analisar a situação política e de ouvir muitos militantes, os responsáveis políticos locais, distritais e naturalmente os nacionais. E de gravar no espírito aquilo que me transmitiram de viva voz. Mas sobretudo, depois de ter ouvido os penafidelenses no dia-a-dia, em tantas circunstâncias em que nos encontramos. Também mantenho gravado no espírito aquilo que eles me transmitiram de olhos nos olhos, quer quanto ao partido, quer quanto ao que esperam para protagonizar o novo ciclo autárquico. Cabe agora aos militantes do PSD escolherem, no reduto da sua consciência, livremente e sem pressões, o caminho que querem seguir para o futuro. Da minha parte, serei sempre o mesmo, independentemente de resultados conjunturais. Sempre livre, mas focado determinado nos projetos que assumo, sobretudo quando acredito plenamente na sua capacidade transformadora para a sociedade. E quando vejo ao meu lado gente anónima e conhecida de qualidade inigualável. Porque sozinhos não somos nada. E porque sei que, no fim de contas, quem decide o que quer para a comunidade, como já escrevi, é inexoravelmente o povo. Sempre o povo! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (29/07/2023) Na edição de 23 de abril de 2014, este jornal “O Imediato” dava uma triste notícia, com o título “Homem colhido mortalmente na EN 15”.
A notícia vinha acompanhada de uma foto, a da vítima. Era o Custódio Luís Pereira. Foi, assim, que tomei notícia da morte de um rapaz especial, que se tornou homem, e que tocava o coração de quem o conhecia. O Custódio nasceu especial, com algum atraso nas suas faculdades mentais. Mas esse atraso nunca lhe toldou outras faculdades: a de sorrir e fazer sorrir; a de encontrar alegria nas coisas simples; a de contagiar a alma dos amigos com a sua pureza, quase inocência. No meu escritório de advocacia, então na Avenida Sacadura Cabral, em Penafiel, ele era presença assídua. Nunca a pedir dinheiro, mas sim algo com que se entreter. Umas capas, umas revistas, o que houvesse. E lá ia ele, feliz. Feliz, com tão pouco. E o meu dia ficava ainda mais feliz. Porque me fazia sorrir. Mais tarde, já na missão pública, o Custódio também me procurava e saudava com aquele sorriso desconcertante e olhar luminoso. Mas, naquele fatídico dia 22 de setembro de 2014, o Custódio foi colhido por uma viatura, na EN 15, e entrar em Croca, a sua terra quando regressava de uma das suas milhares e diárias caminhadas, entre Penafiel e a sua casa. Nessa ocasião, a EN 15 encontrava-se em obras e a falta de condições para a circulação dos peões era o perigo que todos os dias o espreitava. E quiseram fazer crer que a culpa era sua. Das suas faculdades mentais. Mas o Custódio sabia, pelas incontáveis viagens solitárias e a pé que fez ao longo da sua vida, que o perigo era para evitar. Mesmo quando tivesse de circular pela berma contrária, por falta de berma no sentido do seu caminho, como era o caso. Quando soube da triste notícia, senti a presença intensa daquele sorriso desconcertante do Custódio. Como se ele me interpelasse para algo. Só algum tempo mais tarde percebi o que ele me pedia. Não eram revistas ou capas, mas sim que se lhe fizesse justiça. Porque ninguém assumiu a culpa pela sua morte. Foi vítima do seu atraso mental, defendiam-se os responsáveis. Há duas semanas, ao final de tantos anos, de muitas batalhas e de um julgamento em plena pandemia, chegou finalmente a sentença. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel fazia a justiça que o Custódio pedia. A sua mãe, já velhinha, ficou finalmente em paz. E ele, onde estiver, talvez continue a sorrir. Obrigado Custódio por continuares a fazer-nos sorrir! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (01/07/2023) Depois da pandemia provocada pelo vírus SARS-COV 2, o mundo acordou com outra pandemia. Esta reside no mundo virtual, mas cujos efeitos a médio e longo prazo podem ser tremendamente mais devastadores do que a Covid-19.
Falo dos primeiros passos da Inteligência Artificial (IA), que ganharam contornos ensurdecedores com o advento do ChatGPT (sigla inglesa para chat generative pre-trained transformer), lançado em novembro de 2022. De repente, soaram os alarmes pelo facto de este esta sistema de conversação inteligente passar a ser usado por alunos e vários profissionais para a resposta a múltiplas tarefas, que normalmente exigiam um esforço intelectual, o desenvolvimento de um raciocínio, a investigação e até a criatividade. Subitamente tudo ficou à distância de uma pergunta. Ou de outra ainda mais refinada. Ou de outra ainda mais sofisticada. Por isso, investigadores e líderes de empresas começaram a alterar para o risco de extinção da raça humana por via da IA, para cuja mitigação de deveria dar uma prioridade global tão grande ou ainda maior do que para outros riscos sociais, como as pandemias e guerra nuclear. O que deverá passar poe uma urgente regulação, no modo de criar sistemas de acesso à IA e ao seu uso, de modo a que, em vez de ser o sangue e o cérebro que nos dão a vida, passem a ser os algoritmos. Com efeito, sendo os sistemas de IA feitos por humanos, os mesmos são suscetíveis de padecer dos problemas da própria condição humana: tentação de manipulação das nossas decisões pessoais, das nossas opções políticas, económicas, comerciais, mas também pela disseminação de informações ou notícias falsas, pela promoção do racismo, desigualdade de género, ideias contrárias à ecologia ou sustentabilidade ambiental, etc. Não podemos esquecer que a IA traz igualmente benefícios, mormente nas áreas da educação, na redução de tarefas rotineiras e desnecessárias, na eficiência em muitas áreas da vida humana. E que igualmente estão a entusiasmar uma boa parte da Humanidade. Por isso, no momento em que existe uma total falta de regulação da IA ao nível global, e que a mesma avança nas nossas vidas a uma velocidade vertiginosa, é a hora de os políticos acordarem para a necessidade da sua regulação urgente. De modo a torná-la justa, ética, transparente, responsável e ao efetivo serviço da Humanidade, evitando que o seu uso descontrolado se torne num desastre. E, claro, a definir urgentes políticas ativas dirigidas à educação das gerações mais novas quanto ao uso racional da IA. Antes que os algoritmos nos corram nas veias. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (04/06/2023) No passado dia 25 de abril, celebramos os 49 anos da revolução. Já temos mais um ano de democracia do que ditadura.
Muita gente, nos primórdios da Revolução e ao longo do tempo, se procurou apropriar do nosso património democrático. E com certeza que, da esquerda revolucionária à direita democrática, todos têm direito à sua página no livro da nossa liberdade. Liberdade essa que deu lugar a uma democracia cheia de imperfeições. Como a que estamos a viver em direto com o desacerto da governação na atualidade. Mas, para além de todos os lutadores primordiais pela liberdade, o grande património da nossa democracia pertence sobretudo ao povo português, no seu conjunto. E, nesta nova fase da nossa democracia, ela pertence a quem atualmente a vive e tem a responsabilidade de dela cuidar. Os portugueses de hoje e de agora. O povo. Sempre o povo. E nunca devemos ter medo dele. Sobretudo de um povo esclarecido. Que sabe sempre escolher o que quer. Porque fatalmente é ele quem cumpre, sempre, a democracia, por mais imperfeita que seja. E nele cabemos nós, que temos responsabilidades sobre o tempo que nos cumpre viver. Ora, há quem ache, e até o afirme convictamente, que o exercício dos direitos civis que todos temos em democracia tem prazo de validade. Que o tempo de uns anula ou consome o dos outros. Que as pessoas, ao final de um certo tempo, perdem a capacidade de surpreender, de sonhar, de gerar uma nova esperança, de ir ainda mais longe do que alguma vez fomos. Talvez estejam enganados. Como um dia disse Albert Einstein: “A maturidade começa a manifestar-se quando sentimos que nossa preocupação é maior pelos demais do que por nós mesmos.” E é verdade. O tempo dá-nos permanentemente novas oportunidades de sermos ainda melhores do que fomos antes. Quiçá, com uma perspetiva mais madura, mais experiente, mais segura e mais ousada de contribuir para o cumprimento desse desígnio democrático. Ou seja, mais preocupada com as genuínas necessidades das pessoas. Da minha parte, cedo aprendi que só há democracia se uns ganharem e outros perderem as batalhas políticas. E que quem ganha nunca ganha tudo e para sempre. E que quem perde também não perde tudo e para sempre. É isso que me anima e nos deve animar na vida pública, e de que nunca abdicarei. Porque há uma coisa que julgo saber: quem decide quem governa não são uma dúzia de pessoas dentro de uma sala. Muitas vezes com agendas diferentes das que se sentem e pulsam nas ruas. Felizmente, para nosso sossego, no final do dia, é sempre o povo quem decide o seu próprio destino, na sua silenciosa sabedoria. E, enquanto assim for, não há que ter medo que a democracia acabe. Porque, quer se queira quer não queira, em democracia, a verdade é como o azeite. No fim de tudo, quem decide é mesmo sempre ele: o nosso povo! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (06/05/2023) O dia 13 de março de 2013 ficará marcado na minha memória, por duas incríveis coincidências: nesse dia terminei a escrita de um novo livro (“O Segredo de Compostela”) e, nas varandas do Vaticano, era anunciada a eleição de um novo Papa (Francisco).
A coincidência poderia não ter qualquer importância, não fosse o facto de o protagonista do livro (Prisciliano) ser uma espécie de Francisco de outros tempos. Que igualmente ousou confrontar os excessos, a corrupção, a desconsideração do papel dos leigos, o androcentrismo e uma certa misoginia na Igreja do Séc. IV. Quando Francisco foi eleito, muitos acharam que seria uma mera transição dentro do conservadorismo de uma instituição bimilenar, muito envelhecida, e que, em muitos aspetos, não cultivava o espírito do verdadeiro Cristianismo. Os gestores do dinheiro do Vaticano eram vistos como vendilhões do Templo, a pedofilia era abafada pelas cúpulas, os seminários esvaziavam-se. O diabo infiltrara-se na casa de Deus, e a resignação do anterior Papa, justificada com a idade, era antes lida como falta de forças para o escorraçar sem tibiezas. Por isso, muitos subestimaram aquele homem que não era um intelectual e que falava simples. Mas nem a sua mão lhe tremia nem as suas palavras tinham ambiguidades. E com elas abanava os muros do Vaticano e os da Igreja no mundo inteiro. Era o primeiro latino-americano, o primeiro jesuíta, o primeiro a escolher o nome de Francisco, o pobre, depois de 265 Papas e 2000 anos de História da Igreja, e veio para promover uma revolução, tranquila, mas segura. Dez anos depois, os resultados estão derrubou as diferenças de género, incluiu os marginalizados, deu voz aos laicos, a corrupção no Vaticano deixou de ser notícia, os pedófilos protegidos por à vista. Quebrou tabus, cúmplices silêncios foram denunciados, visitou lugares impensáveis para um Papa (o primeiro foi Lampedusa), promoveu a diversidade e trouxe as periferias do Cristianismo para o seu centro (a maior parte dos cardeais já não são europeus). Escreveu sobre a ecologia global para a proteção da natureza, onde incluiu a necessidade de justiça social e de proteção aos mais frágeis da sociedade. Numa palavra: cumpriu o Evangelho! Não admira por isso que a sua palavra, o seu exemplo e mensagem tenham tocado tantos corações. E que hoje seja mais amado pelos laicos do que por alguns setores da Igreja, que aguardam impacientes a sua saída. Mesmo em Portugal, como se viu com a recente novela da pedofilia, cujo combate se lhe deve exclusivamente. Talvez faltem cumprir alguns desígnios cujo debate a Igreja não poderá evitar: o acesso das mulheres aos ministérios sacramentais, a maior consideração dos leigos nas paróquias e a possibilidade de os padres constituírem família. Tudo questões que a igreja alemã (em cujo território atual foi decapitado Prisciliano) está hoje a colocar. Por uma razão muito simples: estas regras da Igreja não constituem qualquer dogma do Cristianismo, não resultam da mensagem de Cristo. Basta ver, por exemplo, o papel que Ele conferiu às mulheres (Maria, Madalena, Marta, etc.), e que, durante vários séculos, os primeiros líderes da Igreja foram casados e os leigos tiveram um papel decisivo na disseminação do Evangelho. Ora, muitas das ideias de Francisco foram defendidas pelo bispo Prisciliano. Por fazê-lo sem tibiezas há 1600 anos, foi perseguido e executado. Ninguém sabe como seria hoje o mundo se as suas ideias tivessem vingado. Acredito que fosse bem melhor. Porém, uma coisa parece agora clara: depois de Francisco, nada ficará como dantes. Pelo menos para a comunidade dos crentes. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (08/04/2023) Há dias, o clube rotário de Penafiel decidiu homenagear um homem bom. Um profissional bom.
Os rotários de Penafiel são também eles um punhado de homens bons que se encontram, não para conspirar sobre interesses pessoais ou grupais, mas para congeminar formas de ajudar os outros. Normalmente, com a maior discrição. Têm como lema dar de si antes de pensar em si. Por vezes, também se reúnem para reconhecerem publicamente aqueles que, como profissionais, se destacaram na comunidade. Foi o que fizeram, por estes dias, com o Dr. Almiro Óscar Mateus. Tive a felicidade de estar presente, como convidado. Quando me dirigia para a sessão, pensava em como havia homens, cada vez mais raros, que deixam uma pegada bem vincada na sua jornada de vida. Homens que caminham pela vida, em vez de deixarem que ela passe por eles. Dos primeiros, há os que deixam pegadas materiais nos seus territórios; outros veem a sua marca perdurar pelas ideias, criações ou pensamentos; outros ainda pelos fortes sentimentos que gravam no coração das pessoas. É por isso que, para mim, o Dr. Almiro Mateus é um homem raro. Um médico de missão, sempre disponível, que sabe que a cura do corpo precisa muitas vezes de começar por uma alma sarada das suas feridas. E que um placebo, um afeto e boas palavras, muitas vezes no seu vernáculo peculiar, são o remédio mais eficaz. Talvez por isso alguns lhe chamem carinhosamente de bruxo. A generosidade está-lhe no ADN. Em novo, cruzou fronteiras para cumprir o juramento de Hipócrates em país necessitados; ao seguir, assentou praça em Penafiel, onde granjeou uma legião de pacientes e amigos, e se dedicou, desinteressadamente e com paixão, a várias causas públicas; no outono da vida, já reformado, acrescenta quilómetros, como voluntário, para dar consultas em terras de pobres que precisam de um bom curador de corpos e de almas. Dos mais ricos aos mais pobres, no norte ao sul do concelho, dos mais letrados ou menos instruídos, dos da esquerda, do centro ou da direita política, o Dr. Mateus espalha afetos e amizades, e ganha corações. Na cozinha, tal como em tudo o que faz na vida, é um intenso apaixonado. Com o avental ou como comensal. Desde que não lhe falte a navalha, com que, como bom transmontano de nascença, disseca um naco de carne. Ou o que vier ao prato. Desde que acompanhado de um macio e intenso tinto verde. Ou de outras castas, se forem do agrado. Fez bem o clube rotário de Penafiel em juntar os seus membros, convidar alguns amigos e lembrar os feitos de um homem bom. Há momentos em que quem dá tanto de si também aprecia que os outros pensem em si. Nem que seja para retribuir pouco do muito já deu. Como é o caso do Dr. Mateus. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (11/03/2023) Ultimamente, têm vindo a público várias notícias relacionadas com problemas com imigrantes. Foi o caso do incêndio na Mouraria, em plena Lisboa. Facto já havia sido trazido às agendas mediáticas, tempos antes, em Odemira. E foi, também há dias, em Olhão, onde um grupo de jovens bem enquadrados socialmente agrediu também um nepalês (está-se a apurar se por roubo ou xenofobia).
Na sua rápida e pertinente reação, o Presidente da República visitou o jovem agredido para lhe explicar, e a todos os imigrantes, que Portugal não tolera este tipo de problemas. E dar uma aula de integração numa escola de Olhão. E com razão. Os portugueses de hoje deverão recordar-se que Portugal foi (e ainda é) um país de forte fluxo emigratório. Não falando das emigrações decorrentes das conquistas africanas, americanas e asiáticas, milhões de portugueses emigraram desde a segunda metade do século XIX, e depois da Segunda Guerra Mundial, essencialmente para o centro da Europa, para a América do Norte, América do Sul e Austrália. Na maior parte dos casos, saíram porque o nosso país não conseguia garantir pão e emprego condigno a tanta gente, sobretudo no interior pobre e esquecido. De resto, naquela segunda vaga migratória, Portugal foi um relevante fornecedor de mão-de-obra das economias em crescimento do oeste e norte da Europa. Hoje, apesar de ainda muitos portugueses emigrarem, Portugal é também um país de destino de muita gente, em busca de melhores condições de vida. Em 2020, segundo dados do SEF, a população estrangeira no país era de 590.348 mil residentes. Por outro lado, dos quase 80 mil bebés nascidos em 2021 em Portugal, mais de 10 mil, o equivalente a 14 %, são filhos de mães estrangeiras (dados da Pordata). E, segundo os mesmos dados, em 2021, entraram em Portugal cerca de 51 mil imigrantes e saíram cerca de 25 mil emigrantes, o que reflete um saldo positivo de 26 mil pessoas. Ora, um país é grande não só nos feitos económicos (poucos, apesar de tudo), desportivos, na atração de turistas ricos ou de grandes eventos, mas sobretudo pela grandeza moral do seu povo. Pela preservação da sua memória coletiva. Por saber acolher os que hoje precisam, tal como souberam outros acolher-nos ao longo dos tempos, quando também outros portugueses precisaram. Por isso, não são toleráveis atos xenófobos (de alegada supremacia cultural) ou racistas (de descriminação pela raça ou cor da pele). E as reações de repúdio e indignação devem ser imediatas, como aconteceu em Olhão. Mas não podem ficar pelo momento, até o assunto sair do telejornal. Impõem-se políticas concretas que evitem os ghettos de emigrantes quando acontece uma desgraça, que combatam os grupos criminosos organizados que os trazem, ameaçam e exploram, e quem ofenda os seus direitos mais básicos. E, claro, uma forte educação para a cidadania de integração, que não pode bastar-se por uma apenas uma aula do PR em Olhão. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (11/02/2023) |
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