Na política, nem sempre o que parece previsível acontece.
Na maior democracia do mundo, vivia-se algo inimaginável: dois concorrentes a disputar o lugar provavelmente o homem mais poderoso do mundo (presidente dos EUA) ambos com as provectas idades de 81 e 78 anos. E pela fadiga física e mental de um (o atual) tudo levava a crer que o outro – com a experiência de outros combates, com a sorte de ter evitado a morte por um tiro (invocando a intervenção divina) e pela narrativa negacionista da sua derrota anterior nas urnas – facilmente chegaria à vitória. Até porque o atual presidente já tinha vencido as primárias do seu partido (Democrata) por larga maioria, estando prestes a ser indigitado, e porque as sondagens evidenciavam o alargamento da distância das intenções de voto a favor do republicano. Todos sabemos que as eleições americanas são decididas pelos eleitores de cada um dos seus estados, mas o seu impacto tem repercussão no mundo inteiro: na política da NATO, no curso das guerras, no maior ou menor apoio às democracias liberais, na maior ou menor inspiração para regimes mais democráticos ou mais ditatoriais, etc, etc. Ora, desde que intransigente recusa de Biden em abandonar a luta eleitoral se transmutou num ato lúcido da sua desistência, o mundo viu em direto como o que era ontem deixou de ser amanhã. De repente, uma pouco conhecida e escondida Vice-Presidente, Kamala Harris, apareceu no centro do palco, ergueu a sua voz e transformou-se numa líder incontestada daqueles que já atiravam a toalha ao chão. Uma mulher, de pele não ariana, quase invisível no mundo até ao momento, mas empoderada e desempoeirada, assumiu as rédeas da campanha e começou a discutir taco a taco as eleições com aquele que já se anunciava como vencedor antecipado. E que não parava de desmerecer e escarnecer do seu anterior adversário. Esse talvez tenho sido o seu erro. Tanto o fez que venceu esse adversário antes do dia das eleições, mas vê agora pela frente alguém que, a bem do nosso futuro coletivo, lhe poderá ganhar a eleição. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (11/08/2024) Tornou-se recentemente público que, no próximo mês de outubro, e no decurso do Sínodo convocado pelo Papa Francisco, os bispos analisarão uma proposta sobre novos papéis de liderança das mulheres na Igreja Católica.
Trata-se de uma tentativa de responder a antigas reivindicações femininas, de resto justa na conceção de devemos ter sobre a igualdade de género. Poder-se-ia pensar que chegou finalmente o momento em que a Igreja olha para homens e mulheres em plano de igualdade, permitindo que uns e outros possam aceder ao múnus sacerdotal, ou pelo menos ao diaconado. Mas desengane-se quem assim pensa. Não será no consulado do irreverente e ousado Papa Francisco que isso acontecerá. Apesar dos avanços que o mesmo trouxe à Igreja e ao mundo sobre a inclusão dos marginalizados, dos que assumem uma sexualidade não binária e da louvável iniciativa de conferir às mulheres um papel mais ativo nas lideranças de organismos da Igreja, não chegou ainda o momento. Ora, a questão da falta de acesso das mulheres ao ministério não faz parte da Revelação Cristã. É, por isso, uma construção dos homens. Dos homens que sempre mandaram na Igreja, e no mundo. Com efeito, tenho para mim que a mensagem e os atos de Jesus Cristo que emanam do Evangelho são de grande consideração pelas mulheres e de paridade das mesmas com os homens. Veja-se que, depois da Sua morte e Ressurreição, Ele apareceu em primeiro lugar a uma mulher, Maria Madalena, deixou que Maria o ungisse, tocou numa mulher considerada impura e defendeu outra acusada de adultério, falou em público com uma samaritana, confortou uma viúva e ensinou as Escrituras a outra mulher. Por isso, nada, do ponto de vista teleológico ou civilizacional, justifica a diferença no modo como a Igreja ainda separa homens e mulheres do múnus sacerdotal ou do diaconado. Do mesmo modo que não faz parte da Revelação cristã que esse múnus apenas possa ser exercido por um celibatário, e que, por conseguinte, um sacerdote não possa escolher entre ser solteiro ou casado, como acontece noutras religiões. Tudo questões que a Igreja teima em adiar, contribuindo para uma incorreta interpretação dos sinais que Cristo deixou na Sua Revelação, para manter a ideologia de uma supremacia de género e até para continuar a assistir à persistente diminuição de sacerdotes disponíveis para essa missão. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (14/07/2024) Terminou a campanha e o dia das eleições europeias. Embora em número mais elevado, fruto certamente da inovação do voto em mobilidade, mas, ainda assim, não votaram mais de 6 eleitores em cada 10.
As razões são conhecidas. Para além de muitos eleitores se demitirem de exercerem o ato mais importante democracia, outros tantos não sentem o apelo pela eleição dos nossos representantes no Parlamento Europeu. E, pelo que se viu, praticamente ninguém se interessou por explicar aos portugueses em que é que os eurodeputados interferem na nossa vida pessoal e coletiva. Para já não falar que o resultado de uma eleição para o Parlamento Europeu pode abalar os fundamentos de um regime e pôr em causa a continuidade de um Presidente da República ou de um Governo, como está a acontecer em França. Ora, as decisões dos eurodeputados influenciam a nossa vida em matérias tão importantes como a economia, o ambiente e alterações climáticas, o combate à pobreza, a segurança e a energia. Tal como aprovam o Orçamento da União Europeia e controlam a forma como o dinheiro é gasto. E também elegem quem vai ocupar os cargos de Presidente da Comissão Europeia e os Comissários, e fiscalizam a sua atividade. Que igualmente decidem sobre nós. Porém, tenho para mim que das mais importantes missões que um eurodeputado pode ter é a de defender os valores da democracia, dos direitos humanos, da liberdade, da igualdade e do Estado de Direito. Sobretudo, nos tempos em que vivemos, em que nunca se viu uma tão grande clivagem de posições radicalizadas à esquerda e à direita. Os radicalismos, venham donde vierem, acabam quase sempre em guerra, perseguições e ameaças ao nosso valor coletivo e civilizacional maior: a liberdade. É por isso que, para os democratas, é tão importante participar nas eleições europeias. Do mesmo modo de que beneficiamos hoje das políticas inclusivas da União (ainda que imperfeitas), no dia em que, na Europa, voltarem a mandar os radicalismos, todos sofreremos dos males que eles – em Bruxelas e Estrasburgo – decidirem sobre as nossas vidas. E contra isso só temos uma arma: o voto. O voto de um português, que vale tanto como o de um francês, de um alemão ou de um húngaro. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (15/06/2024) Há pouco tempo, o Presidente da República abriu a sua Caixa de Pandora para da mesma soltar algo que ninguém esperava, ou não vinha a propósito. Fosse para retirar o tema das gémeas da agenda mediática, ou por qualquer outra inalcançável razão, a verdade é que a questão da indemnização às antigas colónias portuguesas, rapidamente rompeu fronteiras, cruzou o Atlântico e chegou ao Brasil. Mais concretamente à Ministra da Cultura do nosso “país irmão”, que logo se encavalitou nas palavras no nosso Chefe de Estado, a exigir tais reparações.
Ora, tudo isto se transformou num absurdo mediático, que importa estancar, antes que afaste o que até hoje se contruiu, no âmbito da lusofonia. Na verdade, o Brasil é o maior país da América Latina e o quinto maior do mundo porque Portugal lhe deu nascença, há mais de 200 anos, porque o fez previamente Reino e porque a sua independência lhe foi dada por aquele que, depois de lha outorgar, voltou a Portugal para aqui ser rei: D. Pedro I do Brasil e IV de Portugal. E que ofereceu o seu coração à cidade do Porto. Contrariamente a Espanha, com ocupações bárbaras e que promoveu uma fragmentação dos países de hispano-falantes, o Brasil conseguiu a sua integralidade e o sentimento de pertença a uma nação, que ainda hoje se mantém, apesar da sua diversidade e dimensão. Porque a língua portuguesa, o sistema de governação (reino único em todo o seu território) e a cultura deixada pelos portugueses os uniu, antes e depois da independência. Efetivamente, a cultura brasileira bebeu nas tradições portuguesas, seja na culinária (feijoada, cachaça, quindim), na música (viola), nas festas populares (carnaval, festas juninas), nas lendas e no imaginário (lobisomens, cuca, bicho papão). Mas sobretudo nos riquíssimos monumentos ou centros históricos das suas cidades mais antigas, que são património e orgulho nacional, e que não têm preço. Os fluxos entre os dois países independentes sempre foram contínuos: antes, os portugueses emigravam para o Brasil, para o ajudar a crescer e a para ganharem as suas vidas, ali deixando inúmeros descendentes; agora, o movimento é em sentido contrário. Portugal é hoje o porto seguro de muitos brasileiros que precisam de uma vida melhor, o que é facilitado pela língua comum. Por isso, no deve e haver, ninguém sabe quem ficaria a ganhar com a questão das reparações, nem isso faz sentido, nos tempos que correm. Na verdade, Portugal não foi um país invasor (como a França no Egipto, por exemplo), mas sim um país que faz parte do ADN do Brasil, como seu pai ou avô. E como os pais e avós, certamente não fez tudo bem. Mas isso não significa que tenhamos que exigir reparações aos pais ou avós por esses erros. A nossa História não pode ser cancelada ou julgada à luz dos tempos que correm. Muito menos é tempo de inventar o que não faz sentido e que ninguém reclama. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (18/05/2024) O Movimento de Ação Ética, cofundado há três anos por nomes da direita mais conservadora, como Bagão Félix e Paulo Otero, entre outros, e coordenadores do livro Identidade e Família, pretende avançar com uma proposta de criação do estatuto legal e fiscal de “mulher dona de casa”. Paulo Otero reiterou em entrevista televisiva que este estatuto não deverá contemplar os homens, porque “Há coisas que só as mulheres podem fazer. Há afetos que só a mãe pode dar, por mais presente que seja o pai“.
O que propõem é uma ofensa não só para as mulheres, mas também para os homens. Pelo menos para aqueles que não querem ser retratados como uns sem afetos, homens que não choram, que se limitam a beber cervejas e discutir futebol com amigos e que nem um ovo estrelado sabem fazer. No fundo, homens que valorizam as mulheres e são, eles mesmo, feministas. Comecemos por uma análise simples: para estes senhores, os homens, cuja capacidade intelectual fora de casa parece ser superior, não são capazes de cumprir funções como aspirar o chão, lavar a loiça, cozinhar, acompanhar consultas médicas e os filhos na escola, mudar fraldas ou limpar rabos? Se os homens não são capazes de tarefas consideradas há séculos inferiores, fará sentido depositar neles a liderança do nosso país? Irónico. Segue-se outra questão: os homens são progenitores e cuidadores de segunda categoria? Não estão aptos para os afetos? Sendo homem, sinto-me insultado por tudo isto. Se formos sérios nesta discussão, o que está em causa é o estatuto de pessoas prestadoras de cuidados domésticos e familiares, um trabalho que já deveria ter sido reconhecido há muito tempo – e que teria tido um impacto gigante na liberdade individual, alavancada pela liberdade financeira, de milhões de mulheres que foram vaticinadas à submissão e à total dependência por nunca este seu papel ter sido reconhecido no passado. Digo passado, porque foi nesse tempo o único lugar possível para muitas mulheres. Em 2024, o mundo mudou e estamos longe dessa realidade. Hoje as mulheres são metade da força laboral deste País. São massa crítica, reconhecida e necessária nas mais diversas áreas, são papel ativo no potencial económico do País e força em crescimento na liderança de todos os sectores. Muitas mulheres continuam, sim, a ter a sobrecarga dos chamados modelos tradicionais dentro das portas de casa, onde as mentalidades tardam em mudar. Muitas, são obrigadas a estagnar as suas carreiras pela maternidade, pela prestação de cuidados, muitas nem sequer conseguem ascender a posições de liderança porque são rotuladas à cabeça como menos disponíveis. Muitas continuam a sofrer com a disparidade salarial que persiste em Portugal. É tempo de entendermos que estes estereótipos penalizam uma grande fatia de homens que querem fazer diferente, e que também são travados pela desconfiança da mudança de paradigma sobre as funções, os deveres e o compromisso de cada um na família. A começarem a ser penalizados pelo o aumento exponencial de licenças parentais entre os homens. É de um enorme desrespeito intelectual tentar passar este “estatuto de dona de casa” como uma forma de proteção às mulheres. Não passa de uma tentativa de camuflar a verdadeiras intenções, que, no fundo, se prendem com pôr um travão à participação ativa das mulheres na nossa sociedade. Este País não é só de homens, é também de mulheres. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (21/04/2024) Há dias, uma escola da Maia convidou-me, e alguns outros autores, para participar na sua “Semana da Leitura”, numa mesa redonda em que o ponto de partida foi “Leitura: um caminho para a paz.”
Estes momentos de contacto com os alunos são sempre importantes, porque nos permitem refletir sobre questões importantes. Sobretudo quando acabamos de sair de uma campanha eleitoral em que os dois temas mais ausentes do debate foram a cultura e a papel de Portugal no mundo complexo em que vivemos, dentro e fora da Europa. E, na verdade, tenho para mim que a literatura pode ter um papel transformador no mundo, como nas nossas vidas. Principalmente, nestes novos tempos, em que nos vemos, sobretudo os mais jovens, sujeitos a estímulos de curta duração, informações e reals com mensagens de doutrinação política, de manipulação de escolhas como consumidores, de padronização de gostos ou apenas de gozo fútil, podemos descobrir que um livro mantém sempre um tempo diferente de compreensão. O tempo para podermos refletir sobre a sua mensagem, sobre os acontecimentos que narra e os sentimentos vividos pelas personagens. Por isso, como ferramenta estruturante para o nosso conhecimento, os livros são igualmente instrumento para a liberdade, para a liberdade de pensarmos e tomarmos decisões mais conscientes. Por outro lado, nomeadamente os que contam histórias sobre as diferentes civilizações, povos e religiões, ajudam-nos também a melhor conhecer e compreender o nosso posicionamento no mundo, e os ângulos da sua variedade cultural Em primeiro lugar, o da nossa própria identidade. Percebendo melhor a cultura do país em que vivemos, a sua estrutura de valores, a sua História e memória, mitos e integração, melhor sabemos quem somos. Em segundo, o ângulo da alteridade. Ou como resulta da palavra importada do inglês, da “outrização”. O que significa que quanto melhor compreendermos os valores, História, crenças e motivações dos povos que vivem fora dos nossos territórios, principalmente em zonas mais distantes, menos equívocos, xenofobia, racismo ou tensões alimentaremos. E finalmente, o ângulo da substituição, ou seja, o que se relaciona com a aqueles que entram nas nossas terras como imigrantes, retornados, estrangeiros ou refugiados. Compreendermos as razões das suas chegadas, voluntárias ou forçadas, aproximarmo-nos deles, integrá-los e garantir-lhes os direitos básicos como seres humanos, certamente que também contribuirá para uma maior tolerância e boa convivência. É também nestes pontos que, igualmente, a literatura poderá ter um papel fundamental para a paz do mundo. Quando conta histórias sobre estas temáticas e nos leva a refletir sobre todas estas questões. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (24/03/2024) Nos últimos tempos, sobretudo durante o último Governo de maioria absoluta, assistimos a manifestações de rua como não havia memória. Praticamente todas fora do quadro normal reivindicativo organizado pelos sindicatos tradicionais (UGT e CGTP).
Foi o caso das promovidas pelos professores, onde foi visível a ação de um sindicato rebelde que obrigou os tradicionais a aderirem mais tarde, para não perderem associados. A seguir, os médicos. Tudo começou por um deles que decidiu fazer greve ao trabalho suplementar em Viana do Castelo e abalou o SNS, abrindo a porta para que praticamente toda a classe o seguisse (Movimentos Médicos em Luta). Também a dos polícias, que nasceu de uma vigília de apenas um deles, em frente ao Parlamento, e que arrastou milhares de colegas para uma manifestação histórica no mesmo local, que se prologa, alimentada pela existência da campanha eleitoral em curso. Depois a dos agricultores, ativada por um efeito de contágio com acontecimentos da mesma classe, fora do país. Antes, a dos motoristas de transportes rodoviários, que quase parou o país por falta de combustíveis. E por aí adiante. Ou seja, estes movimentos, normalmente sem líder (ou com um líder fugaz que não controla hierarquicamente o movimento), sem pertença a uma determinada ideologia política, organizados por novas plataformas, normalmente as redes sociais, ampliadas pela comunicação social. Não precisam de tempo, dinheiro, recursos humanos e apoio logístico, quando comparados com as formas tradicionais, que exigem um longo período preparatório, recursos, afiliação e processo de decisão das cúpulas. Quer isto dizer que o poder de convocatória pós-moderno tem hoje formas inorgânicas, que trazem muita imprevisibilidade e obrigam os políticos a enfrentarem novos desafios de governação. O que não era possível para os professores, passou a ser possível. Para os médicos e polícias, idem. Sobretudo em momentos mais sensíveis, como os pré-eleitorais, em que a sua capacidade reivindicativa se tornou muito forte. Ou seja, pressionados pelos movimentos inorgânicos de rua, os políticos são hoje obrigados a vir à rua e a encontrarem soluções mais justas e criativas, que a tradicional tecnocracia não resolvia. Podemos, assim, concluir que, hoje, para além das decisões formadas pelos eleitos e nomeados (no Governo, Ministérios e AR), a rua, através dos seus movimentos inorgânicos, começou a ser um “partido” sem ideologia, mas capaz de influenciar leis e decisões, que não seriam tomadas no quadro normal da vida democrática. O que obriga ainda mais a termos políticos capazes de antecipar problemas, a serem capazes de reformas a tempo e horas e a estarem mais atentos ao pulsar da sociedade. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (24/02/2024) Nunca se viu tanto caos nos hospitais públicos portugueses.
As notícias que nos chegam todos os dias sobre o estado das urgências, a supressão de serviços, as mudanças de doentes de um hospital para outro, os atrasos nas consultas e as demoras nas cirurgias, seriam o suficiente para fazer cair um qualquer governo. A saúde é provavelmente o bem mais essencial a garantir pelo Estado. Por isso, é absolutamente incompreensível que o atual governo não tenha encontrado soluções para resolver de uma vez por todas este problema. O que acontece por questões de incompetência e de ideologia. De incompetência, porque os governantes são eleitos para resolver os problemas e não para fazerem de conta que eles não existem. E se não os conseguem resolver, devem ser substituídos por outros mais capazes. Por isso, numa época em que Portugal tem excedente orçamental, não se compreende que se castigue o funcionamento do Sistema Nacional de Saúde do modo que está a ser feito, quando existem recursos cuidar do que mais importa. Ou seja, por incompetência, a aposta na saúde não é, nem nunca foi, prioritária para este governo. Mas também por questões ideológicas. Os governos liderados pelo partido socialista são avessos a que a gestão dos hospitais possa ser feita por entidades privadas competentes e com provas dadas. Mesmo que os tempos de espera diminuam, acabe o caos nas urgências, as cirurgias sejam feitas a tempo e horas e o Estado até gaste menos. Só porque a gestão é privada, estão contra. E, por isso, acabam com elas, como aconteceu em Braga e em Loures, onde rapidamente o caos se instalou. Por isso, o partido que é contra a gestão dos privados nos hospitais da rede pública do SNS, leva a que muitos portugueses optem precisamente por serem tratados pelos privados, nas suas redes que florescem à custa da ruína do dito SNS. Assim, neste momento temos dois sistemas nacionais de saúde. Um, o público, para os pobres e vulneráveis, que não funciona e não os protege. Outro, para as classes mais favorecidas, que têm seguros de saúde ou recorrem aos hospitais privados. Não deixa, por isso, de ser um paradoxo: o partido que criou o sistema nacional de saúde, agora, por incompetência e ideologia retrógrada, destrói o sistema nacional de saúde que criou. De manhã, diz ser o maior defensor dos mais pobres e desprotegidos, e à tarde impede-os de cuidar da saúde. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (28/01/2024) Nos últimos tempos, assistimos a uma nova e perigosa moda no pensamento ocidental: a política de cancelamento do nosso passado. O chamado wokismo.
E, assim, assistimos a tentativas de alterar obras literárias, casas de banho sem género, defender uma linguagem neutra, e ainda a destruição de monumentos históricos, de pinturas e de obras de arte de outros tempos. Ou seja, de condenar o passado e os homens que o viveram. Para que assim pensa, a História parece estar na mesa de cirurgia, pronta para uma plástica. Não uma simples rinoplastia, mas uma transformação completa, daquelas que deixariam até o Infante D. Henrique e Luís de Camões bastante atordoados. Em nome de uma “justiça histórica”, esses movimentos querem aplicar botox nos sulcos profundos deixados no nosso passado por figuras como o Marquês de Pombal, Vasco da Gama ou Pedro Álvares de Cabral. Ou mesmo, deitar bombas a monumentos históricos, como o Padrão dos Descobrimentos, como um conhecido deputado do Partido Socialista (Ascenso Simões) defendeu recentemente[1]. Ao revisitar a história com um olhar contemporâneo, corremos o risco de cometer um erro clássico: julgar o passado com os padrões do presente. É como criticar Luís de Camões por não usar termos inclusivos em “Os Lusíadas”. Ou esperar que Pedro Álvares Cabral ou Vasco da Gama, ao desembarcarem no Brasil e na Índia, tivessem promovido um diálogo intercultural e respeitoso com os povos indígenas, em vez de fazerem o que fizerem. Nesta tentativa de reescrever a História, podemos acabar criando uma narrativa tão estéril como um romance de autoajuda. Estamos a lidar com seres humanos, afinal, não com personagens de uma utopia pós-moderna. A História não é um romance de cavalaria onde os heróis e vilões são claramente delineados, mas um romance russo, cheio de nuances, contradições e complexidades. Portanto, enquanto nos deixamos alegremente navegar nesta onda de “correção histórica”, lembremo-nos de que a História é um mosaico de Humanidade, e não um roteiro de cinema à espera de ser adaptado aos padrões do século XXI. Afinal, ao tentarmos apagar as rugas do passado, podemos acabar perdendo o rosto inteiro. [1] https://observador.pt/2021/02/19/deputado-do-ps-defende-demolicao-do-padrao-dos-descobrimentos/ Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (17/12/2023) Vivem-se dias nunca vistos na saúde da região e do país, com urgências a fechar por todo o lado, e a consciência de que, entre a utopia de um sistema nacional de saúde eficaz e acessível a todos e a dura realidade, vai uma grande distância.
Não sendo perito no assunto, tenho para mim que de que um sistema nacional de saúde a sério nunca poderiam sobreviver à custa de uma sobrecarga inconcebível de horas extraordinárias dos profissionais de saúde, de uma limitação por anos a fio do acesso dos alunos ao curso de medicina, de não se formarem especialistas de urgência, de se impedir que o SNS possa ser igualmente (e mais eficientemente) garantido pelos privados apenas por questões ideológicas. Ou seja, a teimosia ideológica, os excessos do corporativismo, as desajustadas políticas salariais e a falta de mudanças estruturais no sistema contribuíram para o caos instalado. Um caos que não derivou em graves revoltas populares porque, tal como na educação, na justiça, na habitação e demais áreas fundamentais do Estado, o povo vive num certo conformismo com a fatalidade de que em Portugal é assim mesmo. Os profissionais de cada área lutam, fazem greves, mas fica-se à espera que tudo passe, desde que o salário mínimo aumente, não se perca o rendimento mínimo e as pensões não baixem, e até subam alguma coisinha, mesmo que abaixo da inflação. O Estado investe milhões na TAP e na EFACEC por questões ideológicas e depois desbarata ali o dinheiro que era necessário, por exemplo, no SNS, sem um pingo de vergonha ou qualquer censura pública, ou mesmo dano político. A governação degrada-se a pontos nunca vistos em Democracia, com um corrupio de Ministros e Secretários de Estado, e agora até do Primeiro Ministro, a deixarem o Governo de forma tantas vezes vergonhosa, e parece que isso se transformou numa nova normalidade, que já não gera qualquer sobressalto popular. Apenas serve para animar os programas de humor, memes nas redes sociais e garantir emprego aos comentadores televisivos. No resto, pouco importa. Pouco importa escolher alguém que garanta um certa acalmia política e profissionalismo na governação, em vez do permanente e degradante espetáculo a que vimos assistindo. Poucos se interessam verdadeiramente em governações centradas na decisão, na sobriedade, na essência da política e nas alterações estruturais que o país necessita, e menos no show off, na demagogia, em golpes e espetáculos, e em líderes que vivem mais da imagem e do poder a todo o custo, do que interessados na efetiva transformação da vida dos portugueses. Por isso, líderes que poderão garantir um país mais tranquilo e mais centrado no que verdadeiramente importa, como Luís Montenegro no PSD, ou José Luís Carneiro no PS, têm mais dificuldades em afirmar-se. Porque The Show Must Go On, ele só é garantido com protagonistas que garantam que o espetáculo é para continuar: uns com já comprovada imaturidade política e público fundamentalismo ideológico, como Pedro Nuno Santos, outros com conhecido histrionismo radical, como André Ventura. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (18/11/2023) |
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