No lufa dos nossos dias, já a vermos o vírus do nosso descontentamento pelas costas, vamos desfrutando de uns amenos mas intermináveis dias e sol, em pleno inverno. Podemos desfrutar das esplanadas, ao mesmo tempo que assistimos a inimagináveis colunas de fogo e de fumo, na floresta. Nem sempre o sol é bem-vindo, sobretudo quando em causa está o nosso futuro coletivo.
A emergência hídrica – a par da emergência energética e da demográfica – esteve suspensa do debate nacional até se encerrar o capítulo eleitoral, no passado dia 30 de janeiro. A partir daí, à falta de outras notícias, a questão passou a ocupar o espaço mediático nas televisões nacionais, com sucessivas reportagens sobre os efeitos da seca na vida humana, na agricultura e nos ecossistemas do país. Estranhamente, com o sol baixo do inverno a ferir diariamente os olhos dos políticos durante a campanha, houve tempo para se falar dos fofinhos animais domésticos, mas pouco ou nenhum para sabermos mais sobre novas e urgentes políticas para combater esta grave questão ambiental. Ora, a escassez de água no mundo parece paradoxal, uma que vez que todos aprendemos que a maior parte do planeta – 75% – é constituída de água. Porém, mais de 97% dessa água não pode ser consumida e nem utilizada no nosso quotidiano porque é salgada. Da água doce que sobra, grande parte está congelada e outra no subsolo. Apenas 1% deverá existir nos reservatórios e nas redes de distribuição. Mas pouco resta para consumo próprio, uma vez que vai para a produção agrícola e industrial. Para não falar da que acaba por ser contaminada no subsolo. E, em Portugal, poucos ainda se preocupam a sério com esta temática. Sobretudo a classe política, a quem se exige análise crítica e profunda sobre o assunto, debate sério e medidas de curto, médio e longo prazo. Claro está que o tema entronca no problema do aquecimento global e nos caprichos de uma natureza zangada pelos sucessivos comportamentos humanos. Mas isso não perdoa nem desculpa que, em vez de jogos florais e de retórica política, os nossos responsáveis não assumam como urgência nacional a formação de políticas focadas e preocupadas com a emergência hídrica (concertada com a energética e demográfica). É das questões que verdadeiramente importam. E com uma nova maioria qualificada em Portugal, não se aceitam adiamentos ou assobios para o ar. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (12/02/2022) Quando começa um novo ano, todos fazemos votos de que seja melhor do que ao anterior. Normalmente, existem dados já conhecidos que nos permitem guiar esses desejos e expectativas.
Porém, este 2022 começa com o misto de incertezas por todos os lados, que não nos dão uma bússola segura para nos guiar no desconhecido. Ao nível global, duas incógnitas ainda sem norte à vista: a primeira, de curto prazo, é a absoluta imprevisão dos efeitos da pandemia. De um dia para o outro, a certeza de ontem já não é a de hoje, muito menos a de amanhã. Ficamos à deriva com as novas variantes, sem perceber até onde as vacinas nos imunizam (embora ainda protejam na severidade da doença) e quando tudo isto acabará. Por outro lado, assistimos a um imparável crescimento do da temperatura no planeta, tendo a OMM anunciado que os últimos 7 anos foram os 7 anos mais quentes da história. Enquanto isso, os governos mais poderosos assobiam para o lado e continuam focados em como dominar os outros e prepararem-se para guerras (crise da Ucrânia, de Taiwan, etc.) Ao nível nacional, mergulhamos num enorme ponto de interrogação sobre o futuro político do país. Em 47 anos de democracia, foi a segunda vez que um Orçamento de Estado chumbou no Parlamento, mas a primeira em que a rejeição provocou a dissolução da Assembleia da República. E, tirando o facto de vivermos em duodécimos, ninguém está em condições de assegurar o que irá acontecer a partir de 30 de janeiro: um governo maioritário, governo minoritário com apoios à esquerda, à direita ou ao centro, um governo minoritário sem esses apoios, ou uma iminente nova crise política por falta de entendimentos. Na economia, o ambiente é igualmente perplexo: por um lado, faz-se fé no crescimento económico para os níveis pré-pandemia ou superiores, por outro, a um assustador crescimento do preço das matérias-primas, dos combustíveis, do nível e vida em geral e dos produtos de primeira necessidade, cujo crescimento económico e salarial médio não acompanha. Diz quem sabe, que a casos com este segue-se uma nova crise, de feitos imprevisíveis e que, assim sendo, ela aparecerá em 2024. Enquanto cidadãos, resta-nos, porém, fazer o que está ao nosso alcance: nas escolhas políticas que fazemos, no estilo de vida que levamos, nos cuidados sanitários que adotamos, nos investimentos que fazemos e na voz que nunca poderemos cansar de erguer em favor de uma sociedade política, económica, climática e sanitariamente mais forte e mais justa. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (15/01/2022) Os últimos anos trouxeram-nos novos hábitos, quanto à ocupação do tempo. As empresas da tecnologia jogaram forte no entretenimento. São os jogos dos smartphones, as séries da Netflix e de outras plataformas de streaming, as redes sociais, as aplicações de comunicação e mesmo a navegação aleatória ou recreativa na internet.
Como isso, julgo que se vão perdendo hábitos de leitura dos livros, sobretudo dos livros físicos. Dos que contam histórias e nos estimulam a mente. Como se sabe, as referidas tecnologias usam técnicas subversivas de viciação, através de estímulos psicológicos ao consumo rápido, a que nem as séries escapam. Tudo é criteriosamente montado para que o consumidor fique preso a écrans, seja de telemóveis, tablets ou aparelhos de televisão. A questão que se coloca é, assim, a de saber que tipo de transformações isso pode trazer aos humanos. Não sou especialista na matéria, mas tenho boas razões para suspeitar que a literatura acrescenta um valor inestimável à condição humana, permitindo aos autores criarem novas atmosferas, novas realidades, que são entretecidas por construções gramaticais que enriquecem a língua, e cujas vozes arquitetam os seus universos narrativos. Da parte dos leitores, a riqueza da literatura advém da possibilidade de gerar abstração, tempo suficiente para a reflexão, permitindo a formação de um pensamento crítico mais elaborado e fundamental à autodeterminação e à liberdade do ser humano. A sujeição massiva e aditiva a produtos tecnológicos estandardizados ou sujeitos ao impulso do momento fazem uma sociedade mais padronizada, mais permeável ao consumismo acrítico e mesmo a políticas e políticos demagógicos e populistas. O problema tende a tornar-se mais agudo nas novas gerações, que já nascem e crescem neste novo paradigma. É assim importante que os sistemas educativos das democracias promovam a literacia literária, que cada família não a esqueça na formação das suas crianças, e que cada um encontre a dose certa no consumo das várias ofertas de entretenimento. E que rejeite ser apenas mais uma ovelha no rebanho. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (19/12/2021) O direito ao desligamento é algo que está cada mais na ordem do dia, sobretudo quando chegou a era do teletrabalho.
Uma vida saudável deve permitir que todos trabalhadores, profissionais liberais e mesmo chefias de topo e gestores, deixem para trás essa ideia socialmente bem vista de que, quem está sempre ligado ao trabalho, é mais capaz e tem mais sucesso. Pode até ter, mas só no curto prazo, antes de descobrir que se tornou num escravo de si mesmo, ou dos outros. É certo que a legislação (artigo 169.º do Código do Trabalho) prevê limites do período normal de trabalho à distância em condições similares ao do trabalho presencial. Mas tantas vezes que isso não acontece. Por causa de imposições ou objetivos impostos aos trabalhadores no caso do trabalho subordinado, por causa das consultas telefónicas, emails e reuniões fora de horas com clientes no caso de profissionais liberais, ou mesmo quando alguém se tornou, por imposição ou dependência, num workaholic. A legislação que, na minha opinião, não deve ser de fação ou ideológica, deve garantir o equilíbrio necessário na garantia desse direito, sem entrar em radicalismos como os que por aí se apregoam, de punir uma qualquer entidade patronal por contactar um trabalhador fora do horário de trabalho. Sim, se for um abuso, uma recorrência; não se for uma necessidade, uma exceção. É claro que uma boa educação cívica, nomeadamente na escola, ajudará a que, no futuro, tenhamos cidadãos – trabalhadores e empregadores – com maior consciência crítica, capazes de saber alcançar uma desejável autorregulação neste tema. Pois, na busca da realização pessoal, há que ter tempo para nós próprios, para a família e os amigos, para o desporto, hobbies e viagens, para a leitura (saudável hábito em extinção), para o nosso despertar e crescimento interior, ao nível espiritual e do conhecimento. O trabalho não pode dar o pão com uma mão e, com a outra, tirar a emoção e viver. No meio, julgo, estará a virtude. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (19/11/2021) Este outono está marcado pelas eleições autárquicas em todo o país. Nos 308 concelhos do continente e das ilhas, os portugueses são chamados a eleger aqueles que cuidarão de governar os nossos municípios e freguesias. E também os que vão exercer o direito democrático de oposição. Uns renovarão os seus mandatos, outros chegarão pela primeira vez.
Tudo isto é do conhecimento geral, sendo a regra que cada denominado “ciclo autárquico” se conclua e se renove ao fim de cada período de 4 anos. Assim, quer candidatos quer eleitores tendem a deter a sua atenção nos compromissos imediatos, avaliando os que foram ou não cumpridos no quadriénio anterior, e, claro, os novos, os que surgem nos manifestos eleitorais para o quadriénio que se segue. Todavia, tenho para mim que os políticos mais competentes, aqueles que realmente deixam uma marca indelével na sua passagem pela missão pública e são recordados na posteridade, são os que conseguem ver para além dos quatro anos seguintes. Os que projetam os territórios, em obras materiais mas sobretudo imateriais, para um futuro bem mais distante, para as próximas gerações. Deste modo, faço votos para que candidatos e eleitos sejam capazes integrar nos seus programas e na sua execução políticas concretas de elevado impacto geracional. Seja ao nível da transição energética e digital, ou que tornem os territórios mais criativos e ambientalmente sustentáveis, ou capazes de contribuírem para a fixação de jovens e para a atração de novos residentes, com empregos mais qualificados e com mais elevados padrões de remuneração, qualidade de vida e forte coesão e inclusão social. Com sábio e humanizado aproveitamento da inteligência artificial. Mas também potenciadores de equilíbrio entre a igualdade e o mérito nas oportunidades, que se mostrem culturalmente vibrantes e desafiantes e competentes no domínio da educação. É o que desejo para este novo ciclo autárquico, no nosso país. Mas igualmente, e sobretudo, no meu concelho de Penafiel. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (24/09/2021) No meio do mês das férias, tomamos conhecimento que a máscara finalmente vai cair. Será em meados de setembro que deixaremos de ser obrigados a passear no espaço público com este recente adereço na nossa indumentária.
Na verdade, andando por aí, vê-se que os portugueses rapidamente se adaptaram à dita, como se fosse a uma nova moda, e foram cumprindo, nos últimos tempos, com esta regra sanitária. Algo que não se viu noutros países do centro da Europa. Por isso, não deixará de ser curioso verificar como se fará o desapego ou desligamento desse hábito. Se manteremos a rotina de pegar na máscara de manhã, por ato mecânico ou por o medo de contaminação se ter instalado no subconsciente coletivo. Até porque as notícias sobre as capacidades de infeção da variante delta do vírus não são animadoras por aí além, e ninguém foi capaz de demonstrar ainda ser possível atingir-se uma efetiva e desejada imunidade de grupo. Mas, no meu ver, a queda da máscara é um bom sinal. Com as distâncias devidas, é certo, mas simbólico como a queda do Muro de Berlim. É que, atrás da máscara esconde-se um tempo impensável em que vimos coartadas as nossas liberdades individuais: a liberdade de reunião; a liberdade de utilização do espaço público; a liberdade de comer onde se quer; de se estar com quem se quer. Mas também a liberdade de mostrarmos os afetos, através de beijos, sorrisos e abraços, de estarmos com os nossos entes mais queridos, em especial com os mais velhos. De viajarmos. Em suma, de celebramos todos os dias o dom da vida. Por isso: que caia a máscara! Mas que atrás da máscara que cai, regressem os abraços. Mas de vez. Bem sei que o regresso dos abraços não se decreta por lei. Há ainda que aguardar que a ciência nos continue a surpreender, encontrando soluções que mais rapidamente sustenham as constantes mutações do vírus. Mas podermos voltar a circular sem máscara, não deixa de ser um enorme ato simbólico do regresso da esperança em voltarmos a ser livres. De voltarmos ao tempo em que éramos felizes sem saber. Que ela caia! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (28/08/2021) No passado dia 26 de julho, celebrou-se o Dia dos Avós. Desta vez, infelizmente sem festa e sem os afetos experimentados no convívio dos milhares de avós, filhos e netos, como acontecia no Parque da Cidade de Penafiel.
Hoje, o dia dos avós celebra-se em Portugal e em outros países, mas poucos saberão por esse mundo fora que a ideia nasceu em Penafiel, no final do século passado, brotando do fervoroso coração da D. Ana Elisa do Couto, carinhosa avó da nossa terra. Na minha missão pública, tive a oportunidade de reunir e encontrar tantas vezes com a D. Ana Elisa e de me deixar contagiar por aquele espírito inquieto e determinado, animando-a na sua jornada. No início, poucos a levavam a sério, depois a sua ação tornou-se num movimento que nunca mais parou, até alcançar os vários areópagos nacionais e internacionais. Nos tempos que correm, e pelo segundo ano consecutivo, não pudemos celebrar os avós. É mais um dano colateral da pandemia. Um triste dano que a todos atinge. Pela falta dos afetos, mas sobretudo pelo simbolismo que representa. O vírus que nos rouba as memórias do tempo em que vivemos rouba-nos também esses afetos, esses momentos mágicos, que são a essência da nossa condição de humanos. Ou seja, não estamos só afastados dos avós no dia dos avós, mas durante dias, semanas e meses a fio. Talvez anos. Ninguém sabe o preço que esse afastamento sanitário coercivo vai custar às novas gerações, sobretudo quando já não tiverem avós com quem gravar memórias e afetos. Mas será certamente um preço muito alto. E quantos deles partem tão desgostosos, com a distância do último abraço, do último beijo de um neto? Urge voltar ao convívio! Urge voltar ao tempo em que os avós abracem e beijem os netos e os netos os avós! Voltar aos afetos que dão todo o sentido à existência! Por tudo isso, hoje, mais do que nunca, se percebe que tinha a D. Ana Elisa do Couto, na sua luta, que ganhou antes de partir. E a Vós, Avós, fica a nossa imensa gratidão pelo papel tão importante na vida coletiva e de cada um de nós! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (30/07/2021) A celebração da democracia conquistada em Portugal, há 47 anos, não pode passar de um ato reconduzido à distância de discursos dos nossos representantes.
Neste momento, cerca de metade da nossa população nasceu depois do 25 de abril de 1974. Ou seja, a partir de agora, cada vez menos portugueses terão memória direta do antes e do depois. A esta razão somam-se duas outras de capital importância para lembrarmos vincarmos a importância do acontecimento e de sabermos explicá-la a quem nasceu fora do jugo da ditadura. A primeira, é o facto de vivermos no meio de uma pandemia, durante a qual foram decretados vários estados de emergência e, consequentemente, várias restrições à nossa liberdade. Sobretudo à liberdade de movimentos e de reunião física. Foi por um bem maior, mas basta imaginar que assim haveríamos de viver anos a fio, por imposição de um líder autoritário, e que a isso se somava a privação da liberdade de opinião e um atraso estrutural do país relativamente ao mundo ocidental, para ficarmos já com uma ideia. A segunda relaciona-se com as modernas tentações dos extremismos. Até 1974, depois de um tempo ditatorial e nacionalista exacerbado, Portugal viveu mais ou menos imune a esse mal, com as franjas mais radicais e demagógicas, à esquerda e à direita, pouco expressivas. Porém, começa a não ser assim. Cada vez mais gente que não viveu o antes do 25 de abril, ou, que se o viveu, gostaria de restaurar algo parecido com essa época, aceita, consciente ou inconscientemente, enveredar por esses caminhos. É certo que a democracia, a nossa democracia, tal como qualquer construção humana, não é um regime perfeito. E que ainda deixa gente excluída, frustrada e não realizada enquanto pessoa humana. Mas como disse um dia Churchill, ainda não se inventou melhor sistema. Assim, ao contrário do que alguns defendem, a hora não é de criarmos novos regimes que rompem o legado desse Abril construído pelos mais sensatos pais da pátria, mas de aprofundarmos e melhorarmos a nossa democracia, que é um património nacional e coletivo de raro valor para todos nós. Basta olhar para os países onde isso não acontece. Um espaço onde – como disse há dias Marcelo Rebelo de Sousa no provavelmente melhor e mais aglutinador discurso de sempre – caibam todos os portugueses, onde se concilie a memória coletiva intergeracional e combata os sectarismos e a tribalização crescente na sociedade portuguesa e nas democracias ocidentais. Por tudo isto, e porque, apesar das suas imperfeições, é o único regime que tem legitimidade e cujos governos não podem inspirar medo nos governados. Porque estão sujeito às leis e é baseado nos direitos dos cidadãos, nomeadamente nas suas liberdades civis. Esse é o milagre da legitimidade democrática, que nunca convém perder de vista. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (07/05/2021) Poderá haver um ladrão de memórias? Descobri que sim, como procurarei demonstrar.
Marguerite Yourcenar disse um dia: Quando se gosta da vida, gosta-se do passado, porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória humana. É certo que não podemos viver permanentemente na sombra do passado, mas, sendo o passado – através da memória – tudo o que sobra do nosso presente, podemos concluir que, afinal, somos seres abençoados. Abençoados por termos o dom da recordação do tempo que nos proporcionou ter lastro de vida. E quanto maior o lastro, quantas mais recordações e memórias temos gravadas, mais tempo parece que vivemos. Ou seja, o nosso tempo de vida não se mede tanto pelo número de dias, meses ou anos que o registo civil ou a medicina atestam que o nosso corpo viveu, mas mais pelo tempo medido em registo das memórias da nossa existência. Boas ou más, mas memórias que fazem perceber que o curso da vida foi ou mais, ou menos, longo e duradouro. Vem isto a propósito da época em que vivemos. A pandemia e o confinamento não restringem apenas a nossa liberdade física. Roubam-nos também o ouro mais valioso da existência: as nossas memórias, o tempo de vida recordante. Quando olho para o último ano, sou varrido por uma inquietante sensação de desaparecimento de memórias das experiências que rompem o quotidiano. Sobra o ramberrambe de um dia igual ao outro. Ora confinado, ora conveniente distante dos demais, ora mascarado. Pilhado das emoções das viagens, da descoberta, dos amigos, do convívio, do cinema, do espetáculo, da liberdade de estar. De um simples e tão humano abraço. E pior: de ver o sorriso dos outros. Afinal, antes éramos felizes, e não o sabíamos! Por isso, o último ano passou tão rápido que nem dei por ele. Porque não está impresso no meu registo de vida com memórias, de recordações, de passado vívido. Foram praticamente dias que se seguiram uns aos outros, quando, de repente, descubro que já nos encontramos no mesmo mês do ano em que soubemos que um estranho vírus chegava a Portugal. Quando não existem memórias, a liberdade é apenas um vislumbre, uma ilusão. Não falo da liberdade física, limitada por confinamentos restrições e distâncias, em nome da saúde física. Mas da liberdade de usufruirmos da condição de seres plenos, inteiros. Seres que se realizam na felicidade de uma viagem, de um abraço, de um beijo, de um sorriso, do salutar convívio familiar e social que nos faz humanos, e nos faz tão bem. Tudo isto este vírus nos roubou. Esse ladrão de memórias! Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (12/02/2021) Vivemos um novo confinamento. Hoje, todos os políticos dizem que era uma inevitabilidade. E, ao que parece, a culpa foi do Natal e do Inverno.
Entretanto, ocorrerá o ato eleitoral para escolher o PR. E agora: aqui d’el rei, como levar as pessoas às urnas, quando o medo e os números da pandemia nos paralisam os movimentos? É estranho que só nas vésperas do ato eleitoral, o assunto do seu adiamento se tenha colocado. Ou seja, sabendo todos – Governo, PR, DGS, especialistas – que esta era uma realidade altamente provável, porque ninguém preparou este cenário: adiar as eleições ou permitir que um maior número de eleitores pudesse votar? Era uma excelente oportunidade para se modernizar o modo arcaico como ainda se vota, quando já se conhecem meios mais capazes. E porque não se aproveitou parapermitir o voto por correspondência, como aconteceu nos EUA? Pelo menos, deste modo, melhor se cumpriria a democracia. E era o adequado para os 1,4 milhões emigrantes que não poderão votar por correspondência, apesar dos insistentes apelos dos seus representantes. Mas ninguém colocou atempadamente a questão? Não é bem assim. Houve alguém que, a 8 de setembro de 2020, colocou o dedo na ferida. Quem? Vitorino Silva. Basta consultar as notícias desse dia na Internet. Todos sabem que somos adversários políticos, mas amigos há muito tempo. Ambas as circunstâncias não me impedem de reconhecer a sua acutilante intuição. Pode não ter os conhecimentos e habilidades para ser PR, mas, no seu modo simples e original, pôs o dedo na ferida no momento certo, e nunca foi levado a sério. Não era preciso ser especialista, mas apenas ter a experiência da vida, para se perceber que, a seguir ao Natal, em pleno Inverno, sem vacinas em massa, o risco de vivermos um pico pandémico em janeiro era muito provável. Havia tempo para se modernizar o modo de votação, através do voto por correspondência, do voto por meios eletrónicos, ou o adiamento das eleições, mesmo que para isso fosse necessário rever a legislação. Será por isso lamentável que o PR seja eleito com elevada abstenção, e que o ato eleitoral seja mais um foco de contaminação. Pior: é lamentável que a pandemia não tenha acordado os políticos para essa evidência. E que não os tenha levado a modernizar o sistema de votação. Afinal, se há tanto consenso para um novo confinamento, porque não o houve para se mudar a lei e atender a estas situações? É que, como sempre aprendi, é nas crises e dificuldades que se geram as grandes oportunidades de evolução. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (16/01/2021) |
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