Nos últimos tempos, sobretudo durante o último Governo de maioria absoluta, assistimos a manifestações de rua como não havia memória. Praticamente todas fora do quadro normal reivindicativo organizado pelos sindicatos tradicionais (UGT e CGTP).
Foi o caso das promovidas pelos professores, onde foi visível a ação de um sindicato rebelde que obrigou os tradicionais a aderirem mais tarde, para não perderem associados. A seguir, os médicos. Tudo começou por um deles que decidiu fazer greve ao trabalho suplementar em Viana do Castelo e abalou o SNS, abrindo a porta para que praticamente toda a classe o seguisse (Movimentos Médicos em Luta). Também a dos polícias, que nasceu de uma vigília de apenas um deles, em frente ao Parlamento, e que arrastou milhares de colegas para uma manifestação histórica no mesmo local, que se prologa, alimentada pela existência da campanha eleitoral em curso. Depois a dos agricultores, ativada por um efeito de contágio com acontecimentos da mesma classe, fora do país. Antes, a dos motoristas de transportes rodoviários, que quase parou o país por falta de combustíveis. E por aí adiante. Ou seja, estes movimentos, normalmente sem líder (ou com um líder fugaz que não controla hierarquicamente o movimento), sem pertença a uma determinada ideologia política, organizados por novas plataformas, normalmente as redes sociais, ampliadas pela comunicação social. Não precisam de tempo, dinheiro, recursos humanos e apoio logístico, quando comparados com as formas tradicionais, que exigem um longo período preparatório, recursos, afiliação e processo de decisão das cúpulas. Quer isto dizer que o poder de convocatória pós-moderno tem hoje formas inorgânicas, que trazem muita imprevisibilidade e obrigam os políticos a enfrentarem novos desafios de governação. O que não era possível para os professores, passou a ser possível. Para os médicos e polícias, idem. Sobretudo em momentos mais sensíveis, como os pré-eleitorais, em que a sua capacidade reivindicativa se tornou muito forte. Ou seja, pressionados pelos movimentos inorgânicos de rua, os políticos são hoje obrigados a vir à rua e a encontrarem soluções mais justas e criativas, que a tradicional tecnocracia não resolvia. Podemos, assim, concluir que, hoje, para além das decisões formadas pelos eleitos e nomeados (no Governo, Ministérios e AR), a rua, através dos seus movimentos inorgânicos, começou a ser um “partido” sem ideologia, mas capaz de influenciar leis e decisões, que não seriam tomadas no quadro normal da vida democrática. O que obriga ainda mais a termos políticos capazes de antecipar problemas, a serem capazes de reformas a tempo e horas e a estarem mais atentos ao pulsar da sociedade. Alberto S. Santos Artigo de opinião publicado no IMEDIATO (24/02/2024) Comments are closed.
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Agosto 2024
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